domingo, março 06, 2011

PIOTR SOMMER

PIOTR SOMMER, poeta, ensaísta e importante tradutor polaco, nasceu em 1948 em Otwock, uma pequena cidade próxima de Varsóvia. Estudou Filologia Inglesa. É o principal editor da mais importante revista literária polaca dedicada à tradução de poesia estrangeira (Literatura na Świecie), tendo ele próprio traduzido Ashbery, O’Hara, Koch, Heaney, Berryman, James Schuyler, Charles Reznikoff, entre outros. As suas traduções mudaram o panorama da poesia polaca após 1989, sendo hoje consensual nos meios académicos a influência que a poesia anglo-saxónica, designadamente da Escola de Nova Iorque, exerceu sobre a poesia das novíssimas gerações, de que este blogue se ocupará próximamente. A antologia que preparou em polaco sobre O'Hara despoletou uma pequena guerra entre o jovem grupo de poetas influênciados pela poética do americano, conhecidos como "Os Bárbaros", e seus oponentes, "Os Neo-Classicistas", defensores de uma poesia mais tradicional inspirada nos grandes vultos da poesia polaca (Miłosz, Herbert, entre outros). Como Zadura, o seu único compromisso é com uma nova linguagem. Sommer defende a experiência individual frente aos intentos unificadores dos diferentes dispositivos do poder comunista, praticando uma poesia totalmente diversa da oficial, atenta ao detalhe quotidiano comum, o que constituiu, à altura, uma significativa novidade. Os 4 poemas que se seguem são versões minhas de poemas incluídos no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, selecção e prólogo de Maciej Ziętara com tradução do polaco para castelhano de Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008.



PELÍCULA

O sol da tarde
atrás da esquina da cidade,
e cada segmento de pele,
e cada pensamento
permanecem sobrepostos,
e nada se pode ocultar
porque tudo sai a reluzir:
as cartas sem resposta,
a ingratidão,
uma memória curta.


§


FESTAS

Nas festas sempre vêm de longe
algumas pessoas adultas;
estranhos, uma família distante
da esposa ou dos amigos.
Em geral é a última vez
que os vês, ou também
a primeira, quase como os retratos
dos velhos mestres na pequena
Exposição de Época. Querem manter-se
galhardos e sorriem para
ti, e para um par de pessoas mais,
como se quisessem gravar suas fotos
no ar. Vê,
move-se-lhes o branco dos olhos.

Entretanto esfria a comida,
o vodka nos copos
impregna-se de vidro, e eles
seguem falando, oferecem-te a tarte
que prepararam em casa. Os homens
já têm sono, as crianças dormem.

Mas quase sempre
alguém os escuta até ao final.
um jovem tímido,
bem educado, já com idade
para tomar vodka
com os adultos, todavia
um pouco aflito
com as mulheres, ainda sozinho
consente amavelmente as palavras
de uma velhinha afável, que amanhã
terá de acompanhar à estação
depois do pequeno-almoço.


§


DIAS DE SEMANA


Amanhã é quinta-feira.
Se o mundo cumprir com suas obrigações,
depois de amanhã será sexta.
Se não, talvez mesmo domingo
e nunca ninguém saberá
onde se extraviou nossa vida.


§


CORRECÇÃO


Não te ocupes das vírgulas, todos esses signos
de pontuação, hífens e aspas
que marcas com tanta minúcia,
perder-se-ão, por obra do descuido
do corrector e o teu ritmo
da frase, do pensamento, da linguagem
resultará menos importante do que
esperavas ou talvez do que querias.
Tudo isso eram sonhos dourados:
não te lerão ao som da música da fala
antes ao som do estrépito do mundo.

1 comentário:

Luna Blanca disse...

O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.