domingo, março 06, 2011

MARCIN ŚWIETLICKI

(este post é para Luís Filipe Parrado)
MARCIN ŚWIETLICKI nasceu em 1961 em Piasli, perto de Lublin e vive em Cracóvia. Estudou Filologia polaca. É actor e vocalista do grupo rock “Świetliki”. Irreverente, desalinhado, melhor do que qualquer outro poeta da sua geração conseguiu expressar o mal-estar da passagem do comunismo corroído e decadente dos anos 80, para o capitalismo incipiente dos anos 90. É talvez o mais conhecido dos "Novos Bárbaros". A influência do rock e da cultura popular estão muito presentes numa poesia que nega veementemente o establishment literário e cultural, e centra-se em experiências e obsessões pessoais, num constante jogo auto-irónico, uma irreverente forma de lirismo. Cinco poemas, com a devida vénia.



FUMANDO

Pergunto: porque é que os não fumadores
sobem sem escrúpulos aos compartimentos
para fumadores? Porque querem impôr-se? Porque
parecem sempre nauseados?

Cigarro, meu velho amigo.
Passei contigo mais tempo do que com qualquer outro.
Estamos-nos a destruir mutuamente, num cordial
compromisso.

Pergunto: porque não apreciam
a nossa solidão,
o nosso valor ingénuo, nosso
fogo, cinza?

(versão do castelhano, após tradução do polaco por Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, incluida no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008)


§


OS BÁRBAROS REVISITADOS


Sabemos que vão entrar
nesta terra, que não é nossa
nem deles – por isso as compras
que fazemos por estes dias são tão
suficientes (um quarto de pão, por favor).

Os velhos deixaram de ser um problema. Já não os saudamos
amavelmente nas lojas, nas ruas. Acabou.
Desgostam-nos as nossas antigas
diversões, estamos demasiado concentrados.

À espera. Deixamos de alimentar os animais.
Esperamos o dia em que
a nossa debilidade se confirme e
triunfe.

(versão do castelhano e do inglês, após tradução do polaco para castelhano por Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, incluida no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008, e do polaco para inglês por Tadeusz Pióro, incluída no livro “Altered State: The New Polish Poetry”, Arc Publications, 2003)


§


INÍCIO


E ela ainda não sabe que escrevo sobre a morte.
Ela ainda pensa que estou a escrever sobre ela
ou sobre outra mulher. Se sentir o cheiro
de outra mulher – ficará zangada,
mas entenderá. Não entende a morte,
porque ela ainda não compreende a morte.

Porque ela ainda não acredita que é a morte que
me dita o poema. Prefere pensar: é a preguiça.
Perdi a caneta. As finanças.
Multa por não ter bilhete válido. Uma letra por pagar.
Desejo de solidão. Álcool. Visitas
à casa de banho. Tudo isto são – sinais.

Alguma vez saberá que escrevo sobre a morte?
Saberá que se fico imóvel,
estou a aprender? Porque é mais difícil não ser
do que não ter. Não saberá que quando rio,
rio-me contra? Nas anteriores edições
ligava-me ela, agora já não quero.

(versão do castelhano e do inglês, após tradução do polaco para castelhano por Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, incluida no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008, e do polaco para inglês por Tadeusz Pióro, incluída no livro “Altered State: The New Polish Poetry”, Arc Publications, 2003)


§


CAMPO DE BATALHA


Ela está deitada a meu lado. Finge dormir.
Alguma coisa agradável sobreviverá à destruição?
Destruímos tudo. Mariposas luminosas
tocam ambos os lados da janela. Paz.
Sossego, até agora.

Uma centena de vezes deixou claro que não me quer.
Eu tentei todos os truques
masculinos. Ela está aqui. Está
a meu lado na cama de outrém.
Ela perdeu. Ganhou. Eu ganhei. Perdi.

Está ali deitada. Sento-me à distância,
vestido. Observando.
Derrubadas, as chávenas de chá partidas.
Um cinzeiro com duas longas beatas.
Quando ela abrir os olhos, vou abrir fogo.

(versões do inglês, após tradução do polaco por Tadeusz Pióro, incluído no livro “Altered State: The New Polish Poetry”, Arc Publications, 2003)


§


APAGANDO

Limpar todas as pontas
de cigarro da marca favorita
para que não reste qualquer vestígio
da minha passagem por aqui.

Limpar as impressões digitais
dormir um pouco entre os mortos
limpar com um gesto o último rosto
antes do sono.

Sonhar o nada, uma redução precisa,
as cores em fuga, deixando em fundo
uma só palavra. Com ela
ressuscitar.

(versão do castelhano, após tradução do polaco por Maciej Ziętara e Maurício Barrientos, incluida no livro “101 [6 poetas polacos contemporáneos]”, RIL Editores, Santiago do Chile, 2008)


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