AS LONGITUDES DE GABRIEL DEL SARTO
por Andrea Ragusa
A poesia de Gabriel Del Sarto é uma poesia de longitudes: representações, figurações de distâncias, de «dependências», de «dissonâncias» que recolhe através de meridianos e de avenidas. A busca de uma «medida» para o espaço poético, «para que o enigma dure», emerge na estrutura dos seus dois principais conjuntos poéticos: I viali e Meridiano Ovest, como se estas ‘fronteiras espaciais’ criassem o lugar da poesia. Um espaço linear, como no caso de I viali (As avenidas), em que o eu poético fica, desde o início, «a três quilómetros» de uma saudação que está à sua espera. E o espaço circular próprio do meridiano: um Meridiano Ovest que nos transmite as sensações sombrias de uma noite entre uma sexta-feira e um sábado, noite de confusão e de solidões, noite de vazio e de entusiasmos por um instante. O sujeito lírico deste meridiano, que é dividido em nove partes como a obra Mediterraneo de Montale, exibe também traços do Arsénio montaliano, mas – como foi observado por Massimo Gezzi no seu prefácio a Meridiano Ovest – enquanto Arsénio não se consegue libertar da sua imobilidade perante a iminente tempestade, o «herói» de Del Sarto – apesar de ter vivido uma noite percorrida por um sentido de morte que só desaparece na madrugada de sábado – é fotografado, enfim, no momento em que a tempestade acaba e tudo é «uma montagem perfeita / e as horas são tranquilas / tal como o são profundamente os objectos ». Por isso é ainda possível um «princípio de esperança» não desprovido de um sentido cristão: aliás, a necessidade de medir o tempo e o espaço caminha lado-a-lado com a atitude religiosa e com o tom de invocação, por vezes quase de prece, que nunca abandona a obra de Del Sarto, nomeadamente em I viali.
Desde o seu primeiro conjunto poético, o poeta de Ronchi constrói uma dimensão que está em contacto directo com a religiosidade judáico-cristã e com as suas figuras de referência, deixando que estas figuras dialoguem com o sujeito poético, com um eu que se torna veículo de uma mensagem «pública». É ainda preciso sublinhar que a reflexão sobre a função privada e pública da poesia lírica está presente na obra de Del Sarto: implicitamente na sua produção em verso e de forma mais explícita na sua prosa «Pequeno manifesto poético», onde afirma que o particular se pode tornar universal, na medida em que o eu poético crê que a sua verdade tem um valor universal. E é esta, tal como o próprio Del Sarto acrescenta, a maneira de entender a poesia de alguns dos mais importantes poetas italianos dos últimos vinte anos, como Bacchini, Buffoni ou Benedetti: «O privado constitui-se assim como o lugar em que o público alcança uma maior autenticidade, o lugar da expressão das emoções, ou seja, de tudo aquilo que nos interessa enquanto homens. Somente e apenas no privado pode ter lugar o evento que nos toca, que nos abre ou fecha ao mundo» (http://www.gabrieldelsarto.com/un-piccolo-manifesto-poetico.html). Nesta óptica insere-se o próprio passado pessoal que se torna mítico, tal como míticos se tornaram os lugares e os acontecimentos: Ronchi, a adolescência, os hábitos. Tudo isto permanece envolto numa ritualidade quotidiana que se transforma em mito: a própria «viagem» deste Gabriel cruza o rumo do arcanjo dos Evangelhos e com ele se mistura ao longo dos versos, desde o primeiro poema de I viali («O anjo Gabriel anunciando o filho do homem [...] o arcanjo Gabriel resplandecente de glória caminhando pelas ruas praças palácios, Gabriel entregou a minha saudação a 3 quilómetros daqui.», até à última composição de Meridiano Ovest («violento e deserto presépio estival sobre o qual o emagrecido anjo Gabriel anuncia qualquer coisa a chorar»).
Através dos poemas que aqui se apresentam ao leitor português, tentámos construir um breve percurso por dentro da obra deste poeta, sem dúvida um dos mais interessantes e poliédricos da «novissima» poesia italiana.
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