INÊS LOURENÇO (Porto, 1942) acaba de publicar o seu terceiro livro na &etc - uma excelente editora independente, diga-se de passagem - depois de dois óptimos livros: "Logros Consentidos" e "A disfunção lírica". É o oitavo título de uma poeta que tem vindo a assumir uma voz cada vez mais satírica e socialmente crítica, que não esconde uma genuína vontade de transgredir, revisitando a tradição mas preterindo sempre os cómodos sofás do mainstream. A arte poética, bem como uma clara consciência do pequeno papel que cabe à poesia neste início de século, são temas transversais a uma obra onde a mulher, a infância, a cidade, os outros, a língua portuguesa, as outras artes, mas também, o envelhecer e a doença, são assunto para versos que não prescindem de um delicioso tom sarcástico e mordaz. Como neste poema, retirado do seu último livro "Coisas Que Nunca" (Lisboa, &etc, 2010).
MAMOGRAFIA DE MÁRMORE
Deliciam-me as palavras
dos relatórios médicos, os nomes cheios
de saber oculto e míticos lugares
como a região sacro-lombar ou o tendão de Aquiles.
Numa mamografia de rastreio,
a incidência crânio-caudal seria
um bom título para uma tese teológica.
Alguns poetas falam disso. Pneumotórax
de Manuel Bandeira ou Electrocardiograma
de Nemésio, para não referir os vermelhos de hemoptise
de Pessanha ou as engomadeiras tísicas
de Cesário.
Mas nenhum(a) falou (ou fala)
de mamografia de rastreio. Versos dignos
só os de mamilo róseo desde o tempo
de Safo ou de Penélope. E, de Afrodite
enquanto deusa, só restaram óleos e
1 comentário:
Amei este poema. Vou procurar mais Inês Lourenço pra ler.
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