BILLY COLLINS nasceu em Nova Iorque em 1941. É um dos poetas vivos mais conceituados dos Estados Unidos, motivo para um anterior post aqui no Poesia Ilimitada. Na opinião do seu tradutor para castelhano Juan José Almagro Iglesias, "concebe o idioma como tempo e espaço necessários para que não se perca a única história documentada que possuímos do sentimento humano: a poesia". Os quatro poemas que se seguem foram traduzidos do inglês da edição bilingue "Lo Malo de la poesia y otros poemas", editado pela excelente Bartleby Editores (Madrid, 2007). A antologia original de Billy Collins é de 2005. Este post é para F.
YOU, READER
I wonder how you are going to feel
when you find out
that I wrote this instead of you,
that it was I who got up early
to sit in the kitchen
and mention with a pen
the rain-soaked windows,
the ivy wallpaper,
and the goldfish circling in its bowl.
Go ahead and turn aside,
bite your lip and tear out the page,
but, listen – it was just a matter of time
before one of us happened
to notice the unlit candles
and the clock humming on the wall.
Plus, nothing happened that morning –
a song on the radio,
a car whistling along the road outside –
and I was only thinking
about the shakers of salt and pepper
that were standing side by side on a place mat.
I wondered if they had become friends
after all these years
or if they were still strangers to one another
like you and I
who manage to be known and unknown
to each other at the same time –
me at this table with a bowl of pears,
you learning in a doorway somewhere
near some blue hydrangeas, reading this.
§
TU, LEITOR
Pergunto-me como te vais sentir
quando descobrires
que fui eu que escrevi isto em vez de ti,
que fui eu que me levantei cedo
para me sentar na cozinha
e mencionar com uma caneta
as janelas ensopadas pela chuva,
o papel de parede com heras,
o peixe-dourado circulando no aquário.
Vá lá, dá a volta,
morde o lábio e arranca a página,
mas, escuta - era só uma questão de tempo
até que um de nós casualmente
reparasse nas velas apagadas
no relógio murmurando na parede.
Para além disso, nada ocorreu nessa manhã –
uma canção na rádio,
um carro assobiando na estrada lá fora –
e eu simplesmente pensando
no saleiro e no pimenteiro
colocados lado a lado num mantel individual.
Perguntei-me se se haviam feito amigos
depois de todos estes anos
ou se ainda eram estranhos um para o outro
como tu e eu
que conseguimos ser conhecidos e desconhecidos
um para o outro ao mesmo tempo –
eu a esta mesa com uma fruteira de pêras,
tu encostado algures na entrada de uma casa
junto a umas hortênsias azuis lendo isto.
§
THE STUDENT
My poetry instruction book,
which I bought at an outdoor stall along the river,
contains many rules
about what to avoid and what to follow.
More than two people in a poem
is a crowd, is one.
Mention what clothes you are wearing
as you compose, is another.
Avoid the word vortex,
the word velvety, and the word cicada.
When at a loss for an ending,
have some brown hens standing in the rain.
Never admit that you revise.
And – always keep your poem in one season.
I try to be mindful,
but in these last days of summer
whenever I look up from my page
and see a burn-mark of yellow leaves,
I think of the icy winds
that will soon be knifing through my jacket.
§
O ALUNO
O meu livro de instruções de poesia,
comprado num quiosque junto ao rio,
contém várias regras
sobre o que evitar e o que seguir.
Mais de duas pessoas num poema
é uma multidão, eis uma.
Mencionar que roupa usas
enquanto escreves, é outra.
Evitar a palavra vórtice,
a palavra aveludado, e a palavra cigarra.
À falta de um final,
coloca umas galinhas castanhas em plena chuva.
Nunca admitas que reves.
E – mantém sempre o teu poema numa só estação.
Tento estar atento,
mas nestes últimos dias de verão
sempre que elevo os olhos da página
e vejo uma mancha queimada de folhas amarelas,
penso nos ventos glaciais
que brevemente me atravessarão o casaco.
§
CONSTELLATIONS
Yes, that’s Orion over there,
the three studs of the belt
clearly lined up just off the horizon.
And if you turn around you can see
Gemini, very visible tonight,
the twins looking off into space as usual.
That cluster a little higher in the sky
is Cassiopeia sitting in her astral chair
if I’m not mistaken.
And directly overhead, isn’t that Virginia Wolf
slipping along the River Ouse
in her inflatable canoe?
See the wide-brimmed hat and there,
the outline of the paddle, raised and dripping stars?
§
CONSTELAÇÕES
Sim, aquela ali é Orion,
os três orificios do cinto
nitidamente enfileirados para lá do horizonte.
E se te virares podes ver
Gémeos, muito nítida esta noite,
os gémeos com o olhar perdido no espaço como sempre.
Aquele grupo um pouco mais acima no céu
é Cassiopeia sentada na sua cadeira astral
se não estou em erro.
E mesmo acima de nossas cabeças,
não parece Virgínia Wolf
deslizando ao longo do Rio Ouse
na sua canoa insuflável?
Vês o sombreiro de aba larga e além,
a silhueta do remo, levantado, gotejando estrelas?
§
THE INTRODUCTION
I don’t think this next poem
needs any introduction –
it’s best to let the work speak for itself.
Maybe I should just mention
that whenever I use the word five,
I’m referring to that group of Russian composers
who came to be known as “The Five”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – that crowd.
Oh – and Hypsicles was a Greek astronomer.
He did something with the circle.
That’s about it, but for the record,
“Grimké” is Angelina Emily Grimké, the abolitionist.
“Imroz” is that little island near the Dardanelles.
“Monad” – well, you know what a monad is.
There could be a little problem
with mastaba, which is one of those Egyptian
above-ground sepulchers, sort of brick and limestone.
And you’re all familiar with helminthology?
It’s the science of worms.
Oh, and you recall that Phoebe Mozee
is the real name of Annie Oakley.
Other than that, everything should be obvious.
Wagga Wagga is New South Wales.
Rhyolite is that soft volcanic rock.
What else? Yes, meranti is a type of timber, in tropical Asia I think,
and Rahway is just Rahway, New Jersey.
The rest of the poem should be clear.
I’ll just read it and let it speak for itself.
It’s about the time I went picking wild strawberries.
It’s called “Picking Wild Strawberries”.
§
A APRESENTAÇÃO
Penso que o próximo poema não
necessita de qualquer apresentação –
o melhor é mesmo deixar que a obra fale por si.
Talvez devesse apenas mencionar
que sempre que uso a palavra cinco,
me estou a referir àquele grupo de compositores russos
que veio a ser conhecido como “Os Cinco”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – essa gente.
Ah - e Hípsicles foi um astronomo grego.
Fez algo com a circunfrência.
E é tudo, mas para que conste,
“Grimké” é Angelina Emily Grimké, a abolicionista.
“Imroz” é aquela pequena ilha perto de Dardanelos.
“Mónada” - bom, vocês sabem o que é uma mónada.
Poderá haver um pequeno problema
com mastaba, que é um desses sepulcros
egípcios sobre o solo, do género de tijolo e pedra de cal.
E estão familiarizados com helmintologia?
É a ciência das larvas.
Ah, e recordem que Phoebe Mozee
é o verdadeiro nome de Annie Oakley.
À parte disso, tudo deverá ser óbvio.
Wagga Wagga é a Nova Gales do Sul.
Riolite é aquela pedra vulcânica macia.
Que mais? Sim, meranti é um tipo de madeira, da Ásia tropical penso eu,
e Rahway é mesmo Rahway, Nova Jersey.
O resto do poema deverá ser claro.
Vou então lê-lo e deixarei que fale por si.
É sobre aquela vez que fui colher morangos silvestres.
Chama-se “Colhendo Morangos Silvestres”.
§
(Ouvir Billy Collins)
YOU, READER
I wonder how you are going to feel
when you find out
that I wrote this instead of you,
that it was I who got up early
to sit in the kitchen
and mention with a pen
the rain-soaked windows,
the ivy wallpaper,
and the goldfish circling in its bowl.
Go ahead and turn aside,
bite your lip and tear out the page,
but, listen – it was just a matter of time
before one of us happened
to notice the unlit candles
and the clock humming on the wall.
Plus, nothing happened that morning –
a song on the radio,
a car whistling along the road outside –
and I was only thinking
about the shakers of salt and pepper
that were standing side by side on a place mat.
I wondered if they had become friends
after all these years
or if they were still strangers to one another
like you and I
who manage to be known and unknown
to each other at the same time –
me at this table with a bowl of pears,
you learning in a doorway somewhere
near some blue hydrangeas, reading this.
§
TU, LEITOR
Pergunto-me como te vais sentir
quando descobrires
que fui eu que escrevi isto em vez de ti,
que fui eu que me levantei cedo
para me sentar na cozinha
e mencionar com uma caneta
as janelas ensopadas pela chuva,
o papel de parede com heras,
o peixe-dourado circulando no aquário.
Vá lá, dá a volta,
morde o lábio e arranca a página,
mas, escuta - era só uma questão de tempo
até que um de nós casualmente
reparasse nas velas apagadas
no relógio murmurando na parede.
Para além disso, nada ocorreu nessa manhã –
uma canção na rádio,
um carro assobiando na estrada lá fora –
e eu simplesmente pensando
no saleiro e no pimenteiro
colocados lado a lado num mantel individual.
Perguntei-me se se haviam feito amigos
depois de todos estes anos
ou se ainda eram estranhos um para o outro
como tu e eu
que conseguimos ser conhecidos e desconhecidos
um para o outro ao mesmo tempo –
eu a esta mesa com uma fruteira de pêras,
tu encostado algures na entrada de uma casa
junto a umas hortênsias azuis lendo isto.
§
THE STUDENT
My poetry instruction book,
which I bought at an outdoor stall along the river,
contains many rules
about what to avoid and what to follow.
More than two people in a poem
is a crowd, is one.
Mention what clothes you are wearing
as you compose, is another.
Avoid the word vortex,
the word velvety, and the word cicada.
When at a loss for an ending,
have some brown hens standing in the rain.
Never admit that you revise.
And – always keep your poem in one season.
I try to be mindful,
but in these last days of summer
whenever I look up from my page
and see a burn-mark of yellow leaves,
I think of the icy winds
that will soon be knifing through my jacket.
§
O ALUNO
O meu livro de instruções de poesia,
comprado num quiosque junto ao rio,
contém várias regras
sobre o que evitar e o que seguir.
Mais de duas pessoas num poema
é uma multidão, eis uma.
Mencionar que roupa usas
enquanto escreves, é outra.
Evitar a palavra vórtice,
a palavra aveludado, e a palavra cigarra.
À falta de um final,
coloca umas galinhas castanhas em plena chuva.
Nunca admitas que reves.
E – mantém sempre o teu poema numa só estação.
Tento estar atento,
mas nestes últimos dias de verão
sempre que elevo os olhos da página
e vejo uma mancha queimada de folhas amarelas,
penso nos ventos glaciais
que brevemente me atravessarão o casaco.
§
CONSTELLATIONS
Yes, that’s Orion over there,
the three studs of the belt
clearly lined up just off the horizon.
And if you turn around you can see
Gemini, very visible tonight,
the twins looking off into space as usual.
That cluster a little higher in the sky
is Cassiopeia sitting in her astral chair
if I’m not mistaken.
And directly overhead, isn’t that Virginia Wolf
slipping along the River Ouse
in her inflatable canoe?
See the wide-brimmed hat and there,
the outline of the paddle, raised and dripping stars?
§
CONSTELAÇÕES
Sim, aquela ali é Orion,
os três orificios do cinto
nitidamente enfileirados para lá do horizonte.
E se te virares podes ver
Gémeos, muito nítida esta noite,
os gémeos com o olhar perdido no espaço como sempre.
Aquele grupo um pouco mais acima no céu
é Cassiopeia sentada na sua cadeira astral
se não estou em erro.
E mesmo acima de nossas cabeças,
não parece Virgínia Wolf
deslizando ao longo do Rio Ouse
na sua canoa insuflável?
Vês o sombreiro de aba larga e além,
a silhueta do remo, levantado, gotejando estrelas?
§
THE INTRODUCTION
I don’t think this next poem
needs any introduction –
it’s best to let the work speak for itself.
Maybe I should just mention
that whenever I use the word five,
I’m referring to that group of Russian composers
who came to be known as “The Five”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – that crowd.
Oh – and Hypsicles was a Greek astronomer.
He did something with the circle.
That’s about it, but for the record,
“Grimké” is Angelina Emily Grimké, the abolitionist.
“Imroz” is that little island near the Dardanelles.
“Monad” – well, you know what a monad is.
There could be a little problem
with mastaba, which is one of those Egyptian
above-ground sepulchers, sort of brick and limestone.
And you’re all familiar with helminthology?
It’s the science of worms.
Oh, and you recall that Phoebe Mozee
is the real name of Annie Oakley.
Other than that, everything should be obvious.
Wagga Wagga is New South Wales.
Rhyolite is that soft volcanic rock.
What else? Yes, meranti is a type of timber, in tropical Asia I think,
and Rahway is just Rahway, New Jersey.
The rest of the poem should be clear.
I’ll just read it and let it speak for itself.
It’s about the time I went picking wild strawberries.
It’s called “Picking Wild Strawberries”.
§
A APRESENTAÇÃO
Penso que o próximo poema não
necessita de qualquer apresentação –
o melhor é mesmo deixar que a obra fale por si.
Talvez devesse apenas mencionar
que sempre que uso a palavra cinco,
me estou a referir àquele grupo de compositores russos
que veio a ser conhecido como “Os Cinco”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – essa gente.
Ah - e Hípsicles foi um astronomo grego.
Fez algo com a circunfrência.
E é tudo, mas para que conste,
“Grimké” é Angelina Emily Grimké, a abolicionista.
“Imroz” é aquela pequena ilha perto de Dardanelos.
“Mónada” - bom, vocês sabem o que é uma mónada.
Poderá haver um pequeno problema
com mastaba, que é um desses sepulcros
egípcios sobre o solo, do género de tijolo e pedra de cal.
E estão familiarizados com helmintologia?
É a ciência das larvas.
Ah, e recordem que Phoebe Mozee
é o verdadeiro nome de Annie Oakley.
À parte disso, tudo deverá ser óbvio.
Wagga Wagga é a Nova Gales do Sul.
Riolite é aquela pedra vulcânica macia.
Que mais? Sim, meranti é um tipo de madeira, da Ásia tropical penso eu,
e Rahway é mesmo Rahway, Nova Jersey.
O resto do poema deverá ser claro.
Vou então lê-lo e deixarei que fale por si.
É sobre aquela vez que fui colher morangos silvestres.
Chama-se “Colhendo Morangos Silvestres”.
§
(Ouvir Billy Collins)
2 comentários:
Aos editores,
Gostei muito de conhecer o blog! Virei outras vezes. Sou médico e poeta brasileiro.
Abraço fraterno,
Adriano Nunes.
Adorei os poemas de Billy Collins
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