«Emily Dickinson é a poeta mais fascinante que conheço. O não ter praticamente publicado em vida autorizou sucessivas e revistas edições dos seus versos, espalhando a polémica entre críticos e organizadores. O ter incluído poemas em cartas, o ter falado da poesia como carta e trazido para o corpo das cartas o ritmo, a rima e a música da poesia fez com que dos seus textos uma poeta mais recente escrevesse: “os poemas chamar-se-ão cartas e as cartas chamar-se-ão poemas”. A sua linguagem poética, ao mesmo tempo metafórica e elíptica, sincopada e oblíqua, sem muitas vezes concordância de formas verbais, nem respeito por plurais ou regras de gramática, deixou espaço a que dela se acentuasse o excessivo ofício com a gramática ou se falasse até de uma gramática própria. O seu uso recorrente de travessões, que fragmentam e questionam o verso, permitiu que deles se dissesse serem formas de dispersão da unidade discursiva, ou, sexualizados, uma espécie de hímen-hifen. Tudo isto me fascina em Emily Dickinson. E mais ainda: o ter falado de tudo, misturando Deus com ladrões, aranhas com vassouras, alma com vulcões, sonho com abelhas, gerânios, piscos e trevos; ou o ter examinado a morte e a vida, explorado o amor e o inferno, o êxtase, a mais pura alegria, o sofrimento, a misteriosa energia das coisas todas do universo. Ainda o tê-lo feito numa voz de mulher, aparentemente submissa, de facto poderosa. “Habito a Possibilidade - / Uma Casa mais bela do que a Prosa –“, escreveu. Depois disto, que melhor definição de poesia?»
My life closed twice before its close -
It yet remains to see
If Immortality unveil
A third event to me
So huge, so hopeless to conceive
As these that twice befell.
Parting is all we know of heaven,
And all we need of hell.
A minha vida fechou-se duas vezes antes de se fechar –
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior
Tão largo, tão incrível de pensar
Como estes que sobre ela duas vezes tombaram.
Partir é tudo o que sabemos do céu,
Tudo o que do inferno se pode precisar.
§
To pile like thunder to its close
Then crumble grand away
While Everything created hid
This - would be Poetry -
Or Love - the two coeval come -
We both and neither prove -
Experience either and consume -
For None see God and live -
Crescendo de trovão até findar,
Depois o esboroar-se, grandioso,
Quando o Tudo criado era escondido
Isto – a Poesia -
Ou o Amor - os dois vêm coevos -
Ambos, nenhum provamos -
Um qualquer experimentamos e morremos -
Ninguém vê Deus e vive –
ANA LUÍSA AMARAL nasceu em Lisboa, em 1956. Vive em Leça da Palmeira. Ensina Literatura Inglesa no Departamento de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras do Porto. É doutorada em Literatura Norte-Americana com uma tese sobre Emily Dickinson. Autora de oito livros de poesia e dois livros infantis, está representada em diversas antologias portuguesas e estrangeiras e foi traduzida para várias línguas, como castelhano, inglês, francês, alemão, holandês, russo, búlgaro e croata.
Os poemas acima traduzidos por Ana Luísa Amaral são publicados pela primeira vez, em exclusivo, no Poesia Ilimitada.
Leia mais sobre Ana Luísa Amaral aqui.
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