Nascida em Lisboa em 1956, vive em Leça da Palmeira e ensina Literatura Inglesa na Faculdade de Letras do Porto. É doutorada em Literatura Norte-Americana com uma tese sobre Emily Dickinson. Reinventando a tradição - como que a subvertendo, - a sua escrita poética de assomo feminino aborda a esfera doméstica tanto quanto as mitologias, tendo no avesso do quotidiano e na ars poética temáticas de eleição. A atenção ao pormenor, tantas vezes fazendo uso de uma gramática muito própria, valeu à sua obra poemas de grande fôlego criativo. Traduzida em diversas línguas, acaba de reunir de novo a sua Obra Poética sob a chancela da Dom Quixote.
OBRA POÉTICA
Minha Senhora de Quê (1990), 2ª edição, Quetzal, Lisboa, 1999
Coisas de Partir (1993), 2ª edição, Gótica, Lisboa, 2001
Epopeias, Fora do Texto, Coimbra, 1994
E Muitos os Caminhos, Poetas de Letras, Porto, 1995
Às Vezes o Paraíso, Quetzal, Lisboa, 1998
Imagens, Campo das Letras, Porto, 2000
Imagias, Gótica, Lisboa, 2001
A Arte de Ser Tigre, Gótica, Lisboa, 2003
A Génese do Amor, Campo das Letras, Porto, 2005
Entre dois rios e outras noites, Campo das Letras, Porto, 2008
Se Fosse Um Intervalo, Dom Quixote, Lisboa 2009
METAMORFOSES (1990)
Faça-se luz
neste mundo profano
que é o meu gabinete
de trabalho:
uma despensa.
As outras dividiam-se
por sótãos,
eu movo-me em despensa
com presunto e arroz,
livros e detergentes.
Que a luz penetre
no meu sótão
mental
do espaço curto
E as folhas de papel
que embalo docemente
transformem o presunto
em carruagem!
A questão proposta pelo texto de Ana Luísa Amaral é a de uma aparente obrigatoriedade da narradora em se movimentar por entre um rol de tarefas domésticas, entre “presunto e arroz,/ (...) e detergentes”, ante o permanente apelo “mental” para o exercício da escrita. A estranheza, em poesia, de palavras como “presunto” ou “detergentes”, “arroz” ou “despensa”, furta desde logo qualquer intenção idílica do poema - ou lírica, deste dia-a-dia, - dado a surpresa da sua leitura nos atirar, como leitores, rente ao chão, o mesmo chão que a autora se vê compelida a pisar na sua condição de mulher urbana.
“Tenho consciência de que o meu quotidiano (doméstico) pode constituir fonte de inspiração para a minha poesia, tanto quanto tenho consciência de que um livro de poesia ou de crítica sobre poesia, um olhar, palavras de alguém por quem me sinta tocada, as minhas aulas, um pôr-do-sol, uma manhã que de repente fica muito de Primavera, o podem”, confidencia-me Ana Luísa Amaral.
Diagnosticando com desconcertante habilidade o que a prende a este “mundo profano”, a escritora dispõe-se a acatar essa inevitabilidade não sem que a encaixe sob o signo da ironia, sorrindo-se de si mesma no seu “gabinete/ de trabalho:/ uma despensa”; “as outras”, suas irmãs de escrita, espalham-se, ao invés, “por sótãos”, universos mais elevados, enquanto a autora se acha compelida a ter que enganar o tempo a cada intervalo da vida “séria” sempre com os “livros” atrás de si.
“Sempre arranjei tempo para escrever. Sempre.”, sublinha Ana Luísa Amaral. “Se não consigo escrever durante o dia, escrevo à noite - às vezes a altas horas, mas sou noctívaga, o que me é muito útil. Acho que uma pessoa quando precisa de escrever, escreve – independentemente de condicionantes exteriores. Claro que ter, como dizia Virginia Woolf, "um quarto que seja seu" é uma ajuda, mas não é fundamental.”
Tal como a personagem do celebrado conto infantil a quem eram destinadas as tarefas mais desagradáveis, a autora desejaria que a todo o instante lhe entrasse pela porta do quotidiano adentro o “príncipe” que lhe desse a calçar o sapato da escrita, materializando-se assim o seu enlace com a poesia. Mas enquanto tal não acontece - e ante as algemas da vida “séria”, - resta-lhe apelar à inspiração pedindo “Faça-se luz”, “Que a luz penetre/ no meu sótão/ mental”, para que a sua vontade de tinta se vá materializando e seja possível nas “folhas” que embala “docemente”, a epifania da escrita, o almejado sublimar do “presunto/ em carruagem!”.
Nada parece mais justo, dir-se-ía. Que seja o mesmo real que aparentemente asfixia, a oferecer-lhe - generoso - o discorrer do poema, presenteando a autora com a centelha sublime e mágica da inspiração.
OBRA POÉTICA
Minha Senhora de Quê (1990), 2ª edição, Quetzal, Lisboa, 1999
Coisas de Partir (1993), 2ª edição, Gótica, Lisboa, 2001
Epopeias, Fora do Texto, Coimbra, 1994
E Muitos os Caminhos, Poetas de Letras, Porto, 1995
Às Vezes o Paraíso, Quetzal, Lisboa, 1998
Imagens, Campo das Letras, Porto, 2000
Imagias, Gótica, Lisboa, 2001
A Arte de Ser Tigre, Gótica, Lisboa, 2003
A Génese do Amor, Campo das Letras, Porto, 2005
Entre dois rios e outras noites, Campo das Letras, Porto, 2008
Se Fosse Um Intervalo, Dom Quixote, Lisboa 2009
METAMORFOSES (1990)
Faça-se luz
neste mundo profano
que é o meu gabinete
de trabalho:
uma despensa.
As outras dividiam-se
por sótãos,
eu movo-me em despensa
com presunto e arroz,
livros e detergentes.
Que a luz penetre
no meu sótão
mental
do espaço curto
E as folhas de papel
que embalo docemente
transformem o presunto
em carruagem!
A questão proposta pelo texto de Ana Luísa Amaral é a de uma aparente obrigatoriedade da narradora em se movimentar por entre um rol de tarefas domésticas, entre “presunto e arroz,/ (...) e detergentes”, ante o permanente apelo “mental” para o exercício da escrita. A estranheza, em poesia, de palavras como “presunto” ou “detergentes”, “arroz” ou “despensa”, furta desde logo qualquer intenção idílica do poema - ou lírica, deste dia-a-dia, - dado a surpresa da sua leitura nos atirar, como leitores, rente ao chão, o mesmo chão que a autora se vê compelida a pisar na sua condição de mulher urbana.
“Tenho consciência de que o meu quotidiano (doméstico) pode constituir fonte de inspiração para a minha poesia, tanto quanto tenho consciência de que um livro de poesia ou de crítica sobre poesia, um olhar, palavras de alguém por quem me sinta tocada, as minhas aulas, um pôr-do-sol, uma manhã que de repente fica muito de Primavera, o podem”, confidencia-me Ana Luísa Amaral.
Diagnosticando com desconcertante habilidade o que a prende a este “mundo profano”, a escritora dispõe-se a acatar essa inevitabilidade não sem que a encaixe sob o signo da ironia, sorrindo-se de si mesma no seu “gabinete/ de trabalho:/ uma despensa”; “as outras”, suas irmãs de escrita, espalham-se, ao invés, “por sótãos”, universos mais elevados, enquanto a autora se acha compelida a ter que enganar o tempo a cada intervalo da vida “séria” sempre com os “livros” atrás de si.
“Sempre arranjei tempo para escrever. Sempre.”, sublinha Ana Luísa Amaral. “Se não consigo escrever durante o dia, escrevo à noite - às vezes a altas horas, mas sou noctívaga, o que me é muito útil. Acho que uma pessoa quando precisa de escrever, escreve – independentemente de condicionantes exteriores. Claro que ter, como dizia Virginia Woolf, "um quarto que seja seu" é uma ajuda, mas não é fundamental.”
Tal como a personagem do celebrado conto infantil a quem eram destinadas as tarefas mais desagradáveis, a autora desejaria que a todo o instante lhe entrasse pela porta do quotidiano adentro o “príncipe” que lhe desse a calçar o sapato da escrita, materializando-se assim o seu enlace com a poesia. Mas enquanto tal não acontece - e ante as algemas da vida “séria”, - resta-lhe apelar à inspiração pedindo “Faça-se luz”, “Que a luz penetre/ no meu sótão/ mental”, para que a sua vontade de tinta se vá materializando e seja possível nas “folhas” que embala “docemente”, a epifania da escrita, o almejado sublimar do “presunto/ em carruagem!”.
Nada parece mais justo, dir-se-ía. Que seja o mesmo real que aparentemente asfixia, a oferecer-lhe - generoso - o discorrer do poema, presenteando a autora com a centelha sublime e mágica da inspiração.
1 comentário:
Boa tarde.
Perdoe-me o atrevimento. Fui sua aluna, já nos cruzámos por aí e recordou-se de mim. Gostava de lhe falar acerca de um evento literário, mas não tenho como a contactar. Descobri esta forma. Se me indicar uma outra, ficaria imensamente grata.
Goreti Dias
O meu mail é: mgdias@gmail.com
o meu site é EscritArtes.com
Obrigada
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