(actualizado)
Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira (Adília Lopes, n.1960) é licenciada em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa pela Universidade de Lisboa, cidade onde nasceu. Começou a publicar regularmente poesia em 1985 com o livro Um jogo bastante perigoso. Destacando-se desde cedo como uma das mais originais vozes da sua geração, a sua poesia é percorrida por um humor e uma ironia que chegam a ser sarcásticos. O tom ingénuo e confessional da sua escrita, com recorrentes alusões à infância e à sabedoria comum, desvenda uma visão desarmante, por vezes surrealista, da natureza humana em particular das relações interpessoais e amorosas.
OBRA POÉTICA
Dobra, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009
O MARQUÊS DE CHAMILLY A MARIANNA ALCOFORADO (1992)
Minha senhora deve ter
uma coisa muito urgente e capital
a dizer-me
porque me tem escrito muito
e muitas vezes
porém lamento dizer-lho
mas não percebo
a sua letra
já mostrei as suas cartas
a todas as minhas amigas
e à minha mãe
e elas também não percebem bem
não me poderia dizer
o que tem a dizer-me
em maiúsculas?
ou pedir a alguém
com uma letra mais regular
que a sua
que me escreva
por si?
como vê tenho a maior boa vontade
em lhe ser útil
mas a sua letra minha senhora
não a ajuda
O diálogo entre o poema de Adília Lopes O Marquês de Chamilly a Marianna Alcoforado e as Lettres Portugaises traduites en François, atribuídas à freira de Beja estabelece-se em poucas linhas: ao longo de cinco cartas atribuídas a Soror Marianna Alcoforado e editadas em Paris em 1669, a religiosa declarava o seu amor por um gentil-homem francês sem nunca ter obtido o favor de uma resposta. É exactamente a suposta resposta às cartas de Marianna o que autora nos traz neste poema pela pena do Marquês de Chamilly.
A entoação formal de dúvida e indefinição atribuída ao Marquês no início do poema (“Minha senhora deve ter/ uma coisa”), estabelece desde cedo no poema o tom de falsidade que irá marcar o seu discurso. Sob a capa de uma escrita justificativa e até cavalheiresca, esconde-se um rol de cruéis provocações. Desde logo pela humilhação e desconforto que resultam do facto de o destinatário das cartas já as ter mostrado – repare-se! – “a todas as minhas amigas/ e à minha mãe”, ou seja e por junto, às clássicas adversárias do elemento feminino de um casal. Mais ainda, um verso como “e elas também não percebem bem”, não pode ser lido senão como uma ofensa directa a Marianna ao apontar cruelmente o caminho do isolamento e da exclusão. Depois, porque o Marquês faz questão em erigir e manter uma enorme distância entre os dois, o que não permite nunca que a paixão seja tida sequer em consideração: é como se tudo se passasse apenas a um nível funcional. Quando o receptor das cartas afirma “não poderia dizer/ o que tem a dizer-me/ em maiúsculas?”, está de uma só vez a exprimir impaciência, indiferença e enfado, tanto quanto a apequenar Marianna ao apontar-lhe um defeito que se parece indiciar somente um problema de diálogo (“lamento dizer-lho/ mas não percebo/ a sua letra”) porque a caligrafia impede a boa comunicação, metonímicamente funciona possivelmente como o apontar de uma característica física desfavorável, a altura, ou talvez reflectir a pouca importância que o Marquês lhe atribui no leque das suas relações, parecendo-lhe portanto Marianna pequena e dispensável, tal e qual a sua letra.
O golpe de misericórdia não tarda a ser desferido quando ele sugere que Marianna peça a outrem (a outra mulher?) que lhe escreva por vez dela (“com uma letra mais regular/ que a sua”), isto é, sem aquele pequeno handicap que a empurra, sem pejo, para o âmbito da competição amorosa. Nos versos com que termina o poema, o Marquês chega mesmo a ser hipócrita ao fingir-se prestável (“como vê tenho a maior boa vontade/ em lhe ser útil”), sendo o final da carta de um formalismo que dói e quase insulta (“mas a sua letra minha senhora/ não a ajuda”). Parece existir assim por parte da persona do poema a procura de uma causa que possa justificar, por razões extrínsecas à si própria, o desamor que repetidamente tem sofrido ao ver a sua paixão pelo Marquês (ou pelos homens?) adiada e não correspondida.
Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira (Adília Lopes, n.1960) é licenciada em Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa pela Universidade de Lisboa, cidade onde nasceu. Começou a publicar regularmente poesia em 1985 com o livro Um jogo bastante perigoso. Destacando-se desde cedo como uma das mais originais vozes da sua geração, a sua poesia é percorrida por um humor e uma ironia que chegam a ser sarcásticos. O tom ingénuo e confessional da sua escrita, com recorrentes alusões à infância e à sabedoria comum, desvenda uma visão desarmante, por vezes surrealista, da natureza humana em particular das relações interpessoais e amorosas.
OBRA POÉTICA
Dobra, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009
O MARQUÊS DE CHAMILLY A MARIANNA ALCOFORADO (1992)
Minha senhora deve ter
uma coisa muito urgente e capital
a dizer-me
porque me tem escrito muito
e muitas vezes
porém lamento dizer-lho
mas não percebo
a sua letra
já mostrei as suas cartas
a todas as minhas amigas
e à minha mãe
e elas também não percebem bem
não me poderia dizer
o que tem a dizer-me
em maiúsculas?
ou pedir a alguém
com uma letra mais regular
que a sua
que me escreva
por si?
como vê tenho a maior boa vontade
em lhe ser útil
mas a sua letra minha senhora
não a ajuda
O diálogo entre o poema de Adília Lopes O Marquês de Chamilly a Marianna Alcoforado e as Lettres Portugaises traduites en François, atribuídas à freira de Beja estabelece-se em poucas linhas: ao longo de cinco cartas atribuídas a Soror Marianna Alcoforado e editadas em Paris em 1669, a religiosa declarava o seu amor por um gentil-homem francês sem nunca ter obtido o favor de uma resposta. É exactamente a suposta resposta às cartas de Marianna o que autora nos traz neste poema pela pena do Marquês de Chamilly.
A entoação formal de dúvida e indefinição atribuída ao Marquês no início do poema (“Minha senhora deve ter/ uma coisa”), estabelece desde cedo no poema o tom de falsidade que irá marcar o seu discurso. Sob a capa de uma escrita justificativa e até cavalheiresca, esconde-se um rol de cruéis provocações. Desde logo pela humilhação e desconforto que resultam do facto de o destinatário das cartas já as ter mostrado – repare-se! – “a todas as minhas amigas/ e à minha mãe”, ou seja e por junto, às clássicas adversárias do elemento feminino de um casal. Mais ainda, um verso como “e elas também não percebem bem”, não pode ser lido senão como uma ofensa directa a Marianna ao apontar cruelmente o caminho do isolamento e da exclusão. Depois, porque o Marquês faz questão em erigir e manter uma enorme distância entre os dois, o que não permite nunca que a paixão seja tida sequer em consideração: é como se tudo se passasse apenas a um nível funcional. Quando o receptor das cartas afirma “não poderia dizer/ o que tem a dizer-me/ em maiúsculas?”, está de uma só vez a exprimir impaciência, indiferença e enfado, tanto quanto a apequenar Marianna ao apontar-lhe um defeito que se parece indiciar somente um problema de diálogo (“lamento dizer-lho/ mas não percebo/ a sua letra”) porque a caligrafia impede a boa comunicação, metonímicamente funciona possivelmente como o apontar de uma característica física desfavorável, a altura, ou talvez reflectir a pouca importância que o Marquês lhe atribui no leque das suas relações, parecendo-lhe portanto Marianna pequena e dispensável, tal e qual a sua letra.
O golpe de misericórdia não tarda a ser desferido quando ele sugere que Marianna peça a outrem (a outra mulher?) que lhe escreva por vez dela (“com uma letra mais regular/ que a sua”), isto é, sem aquele pequeno handicap que a empurra, sem pejo, para o âmbito da competição amorosa. Nos versos com que termina o poema, o Marquês chega mesmo a ser hipócrita ao fingir-se prestável (“como vê tenho a maior boa vontade/ em lhe ser útil”), sendo o final da carta de um formalismo que dói e quase insulta (“mas a sua letra minha senhora/ não a ajuda”). Parece existir assim por parte da persona do poema a procura de uma causa que possa justificar, por razões extrínsecas à si própria, o desamor que repetidamente tem sofrido ao ver a sua paixão pelo Marquês (ou pelos homens?) adiada e não correspondida.
1 comentário:
bonjour
je cherche l-email de adilia lopes - pour lui demander la permission de la traduire en roumain - juste quelques poemes pour un site de litterature
lucia_di_sofia@yahoo.fr
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