quinta-feira, janeiro 12, 2006

FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Francisco José Viegas (Vila Nova de Foz Côa, 1962), conhecido principalmente pela sua obra como romancista, é autor de uma obra poética envolvente e melancólica onde a poesia é lugar de perda e de inevitabilidade. As ilhas - e outros mundos ainda mais a Norte como a Irlanda e a Escandinávia, - são palco de um recorrente apelo ao ancestral, onde a partida e o regresso reflectem aturadamente a eterna procura de um lugar onde mereça a pena existir. Jornalista de profissão, foi director de publicações como a revista Ler e a Grande Reportagem, tendo-se igualmente notabilizado pela autoria de diversos programas de televisão e rádio sobre livros e leitura. A sua obra poética encontra-se reunida nos livros Metade da Vida (Quasi Edições, V. N. de Famalicão, 1999) e O Puro e o Impuro (Quasi Edições, V. N. de Famalicão, 2001). É autor do blog A Origem das Espécies onde, compreensivelmente, não se pode dizer bem dele. Felizmente que neste blog se pode.



AS JOVENS (1995)

Há um sinal nos seus verdes corpos ao sol

desfolhando trevos, lábios, olhares quase

transparentes através da tarde. Por vezes
nas suas vozes concentram-se todos os sinais

da sede. Silenciosamente fumam e riem,
é quase em silêncio que amadurecem,
estendem os dedos na relva, verdes corpos.
A solidão é terrível diante deles, consentida

a seus olhos na protecção dos cedros. O que
fere nesse momento é conhecer, agora,
a eternidade e a morte, uma dor infinita

que adormece desejos e lábios sobre os gumes
das estações. As hastes da tarde, douradas, morrem
no interior da vida, na solidão do seu riso.


O narrador do poema de Francisco José Viegas, As Jovens, apresenta-se ao leitor como alguém que observa à distância um grupo de raparigas jovens. E, se é verdade que nelas identifica claros atributos de beleza e apaziguamento, não é menos verdade que o fulgor de tal perfeição o dilacera e faz sofrer. Ao contrário do narrador, as jovens são lidas como imaturas (“verdes corpos”), inocentes (“olhares quase/ transparentes”) e despreocupadas (“estendem os dedos”). Estamos portanto em presença de um texto que acolhe duas gerações distintas como personae principais: as jovens, donas de uma perspectiva vertical da vida – momentânea e descontínua, – conotadas pelo poeta a expressões de lazer e alegria como “ao sol”, “através da tarde”, “fumam e riem” ou “na relva”; e um narrador capaz de uma perspectiva horizontal da existência – duradoura e contínua, – a quem é afeiçoado um léxico mais grave com expressões como “solidão”, “O que/ fere”, “dor infinita” ou “gumes”.

Neste contexto percebe-se que o narrador apenas pode sonhar em poder vir a ser parte desse “momento” em que as jovens se fazem mulheres “quase em silêncio”, tanto assim que somente sob a “protecção dos cedros” se autoriza a si próprio a olhá-las. A diferença de idades entre ambos está aliás exemplarmente sugerida no poema através do confronto de porte entre dois elementos da natureza: a “relva”, rasteira, sobre a qual as jovens se deleitam preguiçosas e provocantes; e os “cedros”, esguios, atrás dos quais o narrador esconde a sua altura e compostura.

A consciência do narrador acerca da impossibilidade de retrocesso torna a sua solidão circunstancial ainda mais “terrível”, o que faz com que sofra duplamente: pelo seu tempo, que vai manejando melancolicamente, mas principalmente pelo delas porque sabe que o porvir (“a eternidade e a morte”) sempre “adormece desejos”, isto é, o que as aguarda não é a alegria que imanam “nesse momento” (“agora”) mas a decepção e o desengano que encontrarão inevitavelmente numa ou noutra aresta da vida. Daí que lhe doa por antecipação quanto irão viver e só o simples imaginar dos seus percursos o desanime. Uma vez mais estamos em presença de um narrador informado, na posse de conhecimento privilegiado, que optaria se pudesse por uma saudável ignorância, pelo que de maravilhoso há na descoberta e na partilha dessa mesma descoberta. Somente uma certa ignorância autoriza a despreocupação.

Às jovens, pelo contrário, basta-lhes ser. Transportam em si o potencial do mundo e esperam-nas momentos irrepetíveis de descoberta do corpo “desfolhando trevos, lábios”, ao descobrirem no desejo “todos os sinais// da sede”. Mais do que uma mitigação, é o fardo da maturidade – do conhecimento e da experiência – o que fere o narrador. Mais do que corpos como lenitivo, o que o narrador almejaria era contaminar-se da vitalidade que a idade tornou previsível, regressando a esse tempo de inocência onde a despreocupação é quem alimenta ilusões.
Mas porque nada disto acontece, a tarde fenece o desejo (“as hastes da tarde”), e ele aceita resignado ao custo de um sorriso, sua condição de - nada mais do que de - mero observador.

(Muitos parabéns, Francisco!)


2 comentários:

José Carlos Abrantes disse...

preciso de o contactar

jc.abrantes@netcabo.pt

José Carlos Abrantes disse...

tenho urgência em saber se quer participar num evento que estou a organizar....