domingo, setembro 21, 2008

ADAM ZAGAJEWSKI (2)

Nasceu em Lvov, na Polónia, em 1945. ADAM ZAGAJEWSKI vive entre Cracóvia, Paris e Chicago. É considerado pela crítica como um clássico contemporâneo, como o foram Milosz, Herbert, Holub, Popa ou Brodsky. É um poeta dessa estirpe. Acaba de publicar, neste 2008, na Farrar, Straus and Giroux, de Nova Iorque, “Eternal Enemies”, traduzido do polaco por Clare Cavanagh, professora de línguas e literaturas eslávicas na Northwestern University, que já havia traduzido para o inglês Szymborska e Milosz. Humor, inteligência, cepticismo e economia de linguagem podem ser encontrados nestas três versões que trago do inglês, onde conspiram o peso do lugar e da história, a emergência da arte e da vida quotidiana. Quando me cruzei por acaso com o Jorge Sousa Braga em Praga, há uns anos atrás, levava na mão recolhas de Simic e Armitage, que lhe anunciei entusiasmado como as grandes descobertas que são. O Jorge, porém, já transportava uma colecção da Faber and Faber de Adam Zagajewski, poeta do qual eu nunca havia lido nada, e sobre o qual colocou um post há tempos atrás, aqui, no Poesia Ilimitada, com a tradução de 12 poemas. São para o Jorge, estas versões, que encontrei numa estante de Estocolmo. Do último livro:



DESCREVENDO PINTURAS

PARA DANIEL STERN

Normalmente fixamos apenas alguns detalhes –
uvas do século dezassete,
ainda frescas e cintilantes,
quiçá um belo garfo de marfim,
ou a madeira de uma cruz e gotas de sangue,
o grande sofrimento que entretanto secou.
O parquet brilhante range.
Estamos numa cidade estranha –
quase sempre numa cidade estranha.
Algures ergue-se um guarda que boceja.
Um ramo cinza balança para lá da janela.
É absorvente,
descrever pinturas estáticas.
Estudiosos dedicam volumes a isso.
Mas nós estamos vivos,
cheios de memória e pensamento,
amor, por vezes arrependimento,
e por momentos temos um orgulho especial
porque o futuro grita em nós
e seu tumulto torna-nos humanos.


§


NUM PEQUENO APARTAMENTO

PERGUNTO A MEU PAI, “O QUE
FAZ TODO O DIA?” “RECORDO.”


Assim, naquele pequeno apartamento pardo em Gliwice,
num bloco baixo ao estilo soviético
que diz que todas as cidades se deveriam parecer com quartéis,
que quartos espasmódicos derrotarão conspirações,
onde um relógio de parede antiquado marcha, descansado,

ele revive diariamente o moderado Setembro de 39, as bombas assobiando,
e o Jardim Jesuítico em Lvov, cintilando
com o brilho verde do ácer e árvore de cinzas e pequenos pássaros,
caiaques no Dniester, o odor de vime e areia molhada,
naquele dia quente quando conheceu uma rapariga que estudou direito,

a viagem em carro fretado para o oeste, a última fronteira,
duzentas rosas dos estudantes
agradecidos pela sua ajuda em 68,
e outros episódios de que nunca saberei,
o beijo de uma rapariga que não se tornou minha mãe,

o medo e as doces groselhas da infância, imagens puxadas
daquele abismo de calma antes de eu ser.
Sua memória trabalha no apartamento sossegado – em silêncio,
sistematicamente, luta para recuperar por um momento
o seu século doloroso.


§


LENDO MILOSZ


Li a tua poesia uma vez mais,
poemas escritos por um rico homem, sabedor,
e por um mendigo, sem casa,
um emigrante, só.

Sempre quiseste ir
além da poesia, superá-la, planando,
mas também abaixo, onde a nossa região
começa, modesta e tímida.

Por vezes o teu tom
transforma-nos por um momento,
e acreditamos - verdadeiramente –
que cada dia é sagrado,

que a poesia - como pôr isto? –
torna a vida plena,
mais cheia, orgulhosa, ousada
de formulação perfeita.

Mas o fim de tarde chega,
pouso o livro de lado,
e o estrondo banal da cidade retoma -
alguém tosse, alguém chora e maldiz.



PEDIDO: Por favor enviem o link deste post a Sérgio Neves ou a Júlio Sousa Gomes, tradutores de Milosz e Szymboska do polaco, na tentativa de os interessarmos pela tradução de Zagajewski a partir da língua original. Normalmente as versões de versões limam involuntáriamente as arestas dos poemas, local onde se abriga verdadeiramente a poesia...



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