ESTER NAOMI PERQUIN nasceu em Utrecht em 1980. Reside em Roterdão, cidade da qual é a poetisa oficial (nomeada em 2011 por um período de 2 anos). Em 2006 concluiu o curso de escritora na Amsterdamse Schrijversvakschool, na variante Poesia. A fim de pagar os estudos, Ester Naomi Perquin trabalhou como guarda prisional durante 4 anos. Essa experiência profissional reflecte-se na temática de grande parte dos seus poemas. No último livro que publicou, Celinspecties (Inspecções às Celas) todo o livro se centra à volta da prisão em geral, e dos seus habitantes em particular. Assinalados pelo nome próprio e a inicial do apelido, eles desfilam numa galeria de tipos, motivações, vivências, atitudes e crimes. Esse desfile faz-se sem juízos ou preconceitos. Ester Naomi Perquin estreou-se em 2007 com o livro de poesias Servetten halfstok (Guardanapos a meia-haste) que recebeu o prémio de estreia da revista Het Liegend Konijn. No ano seguinte, o mesmo livro arrecadou o prémio Eline van Haaren destinado a poetisas até aos 35 anos. Servetten halfstok foi ainda nomeado para dois prémios prestigiosos: o prémio C. Buddingh (2007) e o prémio Jo Peters (2008). Namens de ander (Em nome do outro) foi o seu segundo livro a ser publicado, em 2009. Ganhou o prémio de poesia Jo Peters (2010) e o prémio J.C Bloem (2011) seguidos de mais prémios. O terceiro e último livro chama-se Celinspecties. Publicado em 2012, já recebeu um prémio em 2013.
Em mais uma excelente colaboração de Maria Leonor Raven-Gomes (nota introdutória e traduções), eis quatro poemas de Ester Naomi Perquin. Muito obrigado, Leonor!
De Namens de ander (Em Nome do Outro)
PREVIAMENTE
Na primeira existência aprendes logo o formato,
célula após célula desenrola-se em meadas organizadas, planta membros,
és reduzido lentamente a um conceito de seis letras.
Esqueces-te de como era ser perfeito. Permaneces assim brevemente,
reconheces as oportunidades no decorrer do tempo, roças-te à
coincidência, armas-te com a razão e o tempo,
até demarcas uma vida anterior.
No momento em que te divides
desapareces simultaneamente
em dois amantes.
Muitas vezes é esse o fim, vêem-se demasiado tarde,
é como se houvesse um estranho obstáculo ou
as suas míseras vidas se desenrolassem em cidades incompatíveis.
Por vezes, revelas-te contumaz, encontras com exactidão
a fenda, deixas-te repentina e imprevisivelmente
voltar a fundir-te num só.
§
RISCOS
O nosso quarto habitual. As paredes erguem-se tal qual
como combinado. A janela desdobra-se, completa
com os cortinados fechados. Poderia ser ao princípio da noite ou
ao fim do dia. Penumbra inalterável.
algumas chalaças sobre a luz do dia que menos e menos suporta.
O odor a madeira e a tangerinas muito maduras.
Olha, ali surgem os armários, a cama de casal delineia-se
com os seus lençóis e os cobertores,
a colcha com a mancha exactamente no mesmo sítio. Lá
em baixo recompomos as nossas caras, sentamo-nos à mesa
e a vista enche as ombreiras: quintas, três árvores a abanar.
Sabemos de antemão o que iremos agora comer:
a entrada, que é sempre um desapontamento, o bife e a tarte de maçã.
Estamos mais velhos, entretanto podemos pagar
uma coisa melhor. Aqui chove a maior parte do ano.
O perigo maior envolve-nos com
o mesmo lugar, o mesmo quarto. Arriscamo-nos a ter hábitos,
amamo-nos. Repetimo-nos.
§
De Celinspecties (Inspecções às Celas)
BEM-VINDO DE VOLTA
Sei como eles passam o portão à noitinha.
As mãos ainda côncavas de acariciarem
as cabeças dos filhos, as costas dobradas.
Trazem na roupa o exterior e cheiros a comida,
pêlos de cão, cerveja, o cheiro a mulher quente e
últimos cigarros juntos, lençóis enxovalhados.
Olho para os homens a lavarem-se
deixando para trás sabão, pó e saudades.
Sei que as mulheres ficam junto aos portões.
Os casacos abotoados até ao pescoço,
As mãos nos bolsos, cabeças curvadas.
Como os homens avançam em silêncio.
§
DENTRO DOS LIMITES
Habituas-te à tua forma. Às paredes construídas de paciência, à altura do tecto cheio de manchas estranhas, ao chão pegajoso; imperturbável, a tua respiração sonda o espaço e retorna, as tuas mãos acham no escuro o interruptor, os cigarros, como te movimentares, habituas-te a fumar no escuro, quem vês mais nitidamente são os teus filhos, pedalam em bicicletas de pneus furados, pegam em ferramentas sem terem ninguém que lhes ensine, atiram aos pássaros errados, raspam as faces com a tua navalha embotada. Habituas-te. Debaixo dos cobertores a tua mulher revolve-se nua, sente-la próxima, estendida, em dimensão real, tentas tocar-lhe, habituas-te a um corpo que ninguém mais toca e tu mais e mais perdido à volta dela, difícil de consolar. Habituas-te à vista como a uma história, a quem ta leu naquela altura, quase adormecido, já naquela altura, muitos anos atrás, praticamente não compreendeste o significado, tal como te esqueceste de muitas coisas e habituas-te à imagem que fabricas depois: salteadores aparecem e cantam, há um homem com uma gadanha, uma mulher numa torre, de braços abertos como se estivesse à espera de cair, no entanto a espera dela é voluntária, ri-se. Habituas-te. A que em breve, corajosamente alguém virá socorrê-la, derrotar os ladrões e dar cabo do homem com a gadanha. Habituas-te ao impulso de a meter para dentro. A ficar hesitante ao princípio, em seguida, aos teus hábitos, a uma relação com a luz sobre os lençóis, à porta de ferro, à torneira que pinga, aos buracos dos cigarros nas cortinas, aos teus posters nus que se oferecem, ao rosto omnipresente que se debruça quando escurece, ao bafo da justiça, às conversas dos outros e à música ao longe, ao facto de tudo provocar estalidos, ao desaparecer vagaroso de um passo no corredor, a ter medo habituas-te, à tua nudez completa, sémen na mão, caracol que és. A matutar habituas-te, à inutilidade da respiração contínua habituas-te, ao constante cismar habituas-te.
1 comentário:
tudo é passageiro
a vida e até
o mundo é passageiro...
no mundo existem ..os bons
.. e depois aqueles
que não têm a capacidade misantrópica
de fazer o bem"
carlos Ac liberal
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