domingo, junho 02, 2013

THOMAS MÖHLMANN

 
THOMAS MÖHLMANN estudou Neerlandês na Universidade de Amesterdão. Estreou-se em 2005 com o livro De vloeibare jongen (O Rapaz Liquefeito), na editora Prometheus. Foi nomeado para o prémio C. Budding para a melhor estreia em poesia neerlandesa. Em 2007 ganhou o prémio Lucy B. & C.W. van der Hoogt. Em 2009 surgiu o seu segundo livro na editora Prometheus: Kranen open (Torneiras Abertas) eleito como Escolha do Clube de Poesia e nomeado para o prémio de poesia Jo Peters em 2010. Thomas Möhlmann trabalha para a Stichting Nederlands Letterenfonds (Fundação de Letras dos Países-Baixos), é redactor da Poetry International Web, Lyrikline e da revista de poesia Awater, da qual foi co-fundador. Foi autor de várias colectâneas de poesia e organizou diversos programas de poesia. O seu novo livro de poemas será editado dentro em breve. Em O Rapaz Liquefeito, o poeta cria um universo fantasioso, com as suas próprias leis onde tudo é possível e cujas personagens são “figuras” para o povoar. São sobretudo as imagens que interessam e, ainda, experimentar as fronteiras entre a fantasia e a realidade. O segundo livro, Torneiras abertas é um livro mais maduro, uma continuação desse universo interseccionado, mas mais directo e onde as personagens adquirem um eu e uma história.
 
Em mais uma colaboração de Maria Leonor Raven-Gomes (nota introdutória e traduções do original), eis quatro poemas de Thomas Möhlmann retirados de De vloeibare jongen (O Rapaz Liquefeito). Muito obrigado, Leonor.
 
 
 
O Rapaz Liquefeito

I

Depois de largar as roupas e os velhos adornos,
ligeiramente curvado, acocorado, ele juntou-se ao rio.
Enquanto as penas secam

ele
dobra
as suas
pequenas
palavras

em barcos, quedando-se a olhar
frases bem formadas, em silêncio amoroso.

Levantar-se, perder gradualmente a forma
agora e esperar até se poder embalar
por entre as paredes finas
da sua pele, como se estivesse num aquário tombado.

Coloca um passarinho morto
à superfície do braço
para conservar um segredo que ele próprio inventou
antes de ser levado pelas águas.




II

Ela flutua de olhos abertos, a boca
quase tão descorada como as pedras
e ele veste-a com tudo o que tem

transportando-a até ao término
soubera ele onde, com os braços
que se recusam a tornar-se carne, a ela,

a sua irmã transformada num pano encharcado,
ele marulha na sua face inchada
para mais um aceno, um relampejo no olhar.




III

‘Era aqui que devias ter aninhado, meu passarinho,
e aqui as ondas quebraram o último pedaço de fita,
um remoinho adornou o último barquinho
e contudo nada mais fizeste salvo inchar e empalidecer
e esboroar-te sucessivamente em bocadinhos mais pequenos e descoloridos,
partículas cada vez mais e mais pequenas.’

‘Tudo ficará mais leve, querido mano,
quase não há mais nada intacto entre nós,
mais um pouco e já não distingues a diferença
nem a relação que nos separa
retoma – um beijinho – o teu segredo, recupera as palavras
e deixa-as – um beijinho – rolar pelos teus lábios secos.’


§


Ele procurou por muito tempo

Cada passo diminui e aumenta o número de possibilidades
mas não as possibilidades que ele procura
tem de haver outro caminho que não este, mas assim que ele o toma,
tem de haver outro caminho. Abordou pessoas

apresentou-se sob nomes diferentes e perguntou se
as pessoas sabiam onde estavam. No mar alto, no umbigo do mundo
à beira de jardinzinhos bem-tratados: ninguém sabia.
Onde o ar era tão rarefeito que ele tinha vertigens, onde

o ar denso lhe cortava a respiração, onde todos
se ofendiam mutuamente, onde ninguém se atreveria ir,
onde todos deveriam ter estado: ninguém sabia.


§


Ele tem tempo

Lá fora um motorista espera pacientemente, por ti por mim?
Há um outro sítio a que não chegamos por um triz
prometo não abrir antes de a campainha tocar
enquanto tudo ficar como está, a campainha não toca

ele tem a porta fechada, continua sentado e à luz fraca
acende um cigarro, deixa escapar o primeiro fumo sem um suspiro
não olha mas liga o motor, na consciência tranquila que a única coisa
que poderíamos fazer era levantarmo-nos e abrir um pouco

as cortinas. O teu motorista? O meu? Deveríamos estar
mais indiferentes ou mais em pânico. Soam passos
próximos, afastam-se, desaparecem e, umas ruas além
aproximam-se passos, hão-de se afastar desaparecer e

o último fumo desaparece subindo em espirais no carro
silencioso frente à nossa porta. Há um outro sítio onde
nos reencontraremos, mesmo que toquem à campainha,
mesmo que um de nós acene ao outro para o tranquilizar.


§


As pessoas dormem em toda a parte

Caídos onde estiveram outrora
a testa encostada ao braço
o rosto voltado para a terra, respirando calmamente.

Sobre a terra, debaixo de cobertores quentes
sob tectos sólidos, enlaçados uns nos outros
à sorte, enrodilhados em si mesmos

enquanto o mundo se abre qual mão
enquanto os dedos procuram outros dedos
outros dedos procuram outros e os peixes

embalam o mar para o acalmar e os navios as suas cargas
e a rádio embala o pai e, como um tecido macio,
o pai a mãe, os candeeiros a noite.

Porque velas. Por que razão alguém
está de vigília, alguém está presente.

 

1 comentário:

Lina disse...

olá,sou dona de um blog de literatura, e gostaria de saber se estás disponivel para parcerias.
grata