sexta-feira, maio 31, 2013

TJISKE JANSEN

TJISKE JANSEN nasceu em Barneveld, Holanda, em 1971. Depois de uma infância e juventude problemáticas (a partir dos 12 anos foi colocada em várias famílias de acolhimento), finalizou o liceu com louvor e licenciou-se em Artes Plásticas e Teatro na Escola Superior de Artes em Arnhem. Frequentou ainda o curso de Neerlandês na Universidade de Nijmegen, não o finalizando, porém. Obteve grande reconhecimento na Holanda com o seu primeiro álbum de poesia Het moest maar eens gaan sneeuwen (Está na altura de começar a nevar) em 2003. O seu estilo caracteriza-se por uma linguagem simples e lacónica. Os temas que a ocupam têm muito a ver com a sua história pessoal: infância e a juventude (sobretudo a sua, despojada de afecto), a (falta de) vida em família, a figura paterna, recordações. Outros temas são o amor, o mar, um certo desencanto com a vida em geral e, contos clássicos a que dá sempre uma volta ao texto original. Tjiske (pronuncie-se Tchisca) Jansen costuma apresentar-se em festivais de poesia onde lê excertos do seu trabalho.

BibliografiaVanuit de lucht (2001, colectânea); Het moest maar eens gaan sneeuwen (2003); Het moest maar eens gaan sneeuwen (2004) – (incluindo CD onde TJ lê os próprios poemas); Je hebt alles en je hebt mij (2004) - CD CD em colaboração com o violinista Jasper le Clercq, Koerikoeloem (2007, prémio Anna Bijns, 2009)

Em mais uma excepcional colaboração de Maria Leonor Raven-Gomes (nota introdutória e traduções do original), eis cinco poemas de Tjiske Jansen. Muito obrigado, Leonor.



A cidade ainda está em silêncio.
Encostadas uma à outra e a um muro
duas bicicletas dormem.


§


Gosto de Ícaro que sabia que a cera se iria derreter e no entanto voou em direcção ao sol.
Gosto daquela rapariga que reparou como era azul a barba do Barba Azul – era exactamente esse o motivo. Gosto da Bela Adormecida que afinal fazia de conta que dormia.

Gosto da Branca de Neve que achava os anões um bando de neuróticos.
‘Quem é que se sentou na minha cadeira? Quem é que comeu do meu prato?’
E do anão, que não simpatizava lá muito com a Branca de Neve:

‘Quando ela não morava aqui, éramos só sete. E agora? É ver-nos.’
Do gigante que estava arreliado porque toda a gente chamava botas aos seus sapatos.
Não gosto de quem se acomoda no conto. Mas sobretudo

gosto de Ícaro que sabia que a cera se iria derreter e no entanto voou em direcção ao sol.


§


Para os anos dele

Sei qual é cor em que prefere calçar-se.
Sei qual é a cor em que prefere vestir-se.

Porém, caminhar não é o mesmo que dormir
e usar não é o mesmo que acordar.

Portanto perguntei-lhe: qual é a tua cor preferida para dormir,
qual é a tua cor preferida para acordar?

A cor dos teus olhos, respondeu-me. A cor da tua pele.
Não fui à procura. Não necessito de andar à procura para saber que

não existe nenhuma loja que venda edredões nessas cores.
Não há outra solução a não ser dormir

com ele para sempre.


§


ENVELOPE COM FOTOGRAFIAS 3

Tal como o mar me consola com a sua profundeza
porque não consigo contar a água,
pois é maior que toda a terra
por onde as pessoas andam,
porque há peixes a quem esse espaço pertence,
pois ele não é das pessoas,

consola-me não me recordar de lá ter estado,
ter feito isto ou aquilo,
daquele bibe, ou daquele vestido,
daquelas meias até ao joelho, ao lado daquela miúda,
ao colo do senhor com a guitarra,
ao colo da avó quando tinha sete meses.

E nos momentos dos quais não há fotografias,
também lá ter estado.


§


FRAU HOLLE


Prefiro olhar para a lua
do que para as pessoas.
As pessoas
cansam-me de sobremaneira.
As súplicas, os rogos,
os risos, os desejos,
a ignorância,
a curiosidade em saber,
dizendo: ‘amo-te’,
ou pensando-o,
caminhando calçadas
ou de pés nus e calejados,
correndo de um lado para o outro,
as pessoas vestidas de jóias e de música.
Prefiro olhar para a lua
que é sempre a mesma:
indiferente,
fiel.
A lua não necessita de palavras
para dizer:
aqui estou
e amanhã também estarei.
Talvez uma nuvem a encubra,
talvez não me vejas por estares dentro de casa,
por estares a ouvir as tuas canções patetas
ou por teres os olhos nublados de lágrimas,
lágrimas motivadas por pensares que estás só,
mas não estás só,
porque eu estou aqui
e ontem também estive,
e amanhã também estarei.


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