quinta-feira, março 21, 2013

WISŁAWA SZYMBORSKA (5)


WISŁAWA SZYMBORSKA não precisa de apresentação. No Dia Mundial da Poesia, este blogue tem o prazer de oferecer aos seus leitores mais três poemas traduzidos do polaco por TERESA SWIATKIEWICZ. Três poemas que a poetisa polaca dedicou a três mulheres cujo denominador comum é a desconstrução de protótipos. Muito obrigado, Teresa.



UM MINUTO DE SILÊNCIO POR LUDWIKA WAWRZYŃSKA*
(1975)


E tu aonde vais?
Se ali já só há fumo e fogo!
- Ficaram lá quatro crianças,
vou buscá-las!

Como é possível
assim de repente
desprender-se de si próprio?
Da ordem do dia e da noite?
Das neves do ano que vem?
Dos rubores das maçãs?
Da mágoa do amor
que nunca é demais?

Sem se despedir, nem ser despedida
sozinha a correr acode as crianças,
olhem só, trá-las em braços,
mergulhando no fogo até aos joelhos,
levando o fulgor no cabelo revolto.

Ela, que queria comprar um bilhete,
sair da cidade por um tempo,
escrever uma carta,
abrir a janela após a trovoada,
trilhar o caminho aberto no bosque,
espantar-se com as formigas,
ver como o lago se enruga
com o sopro do vento.

Um minuto de silêncio pelos mortos
perdura às vezes pela noite fora.

Sou testemunha ocular
do voo das nuvens e dos pássaros,
ouço a relva crescer
e sei como ela se chama,
decifrei milhões
de caracteres impressos,
segui com o telescópio
estrelas bizarras,
só que até hoje
ninguém me pediu socorro
e se acaso lamento
uma folha, um vestido, um poema –

De nós próprios só sabemos,
o que nos foi posto à prova.
É isto o que eu vos digo
deste meu coração que desconheço.


*Ludwika Wawrzyńska - professora primária que salvou de um incêndio quatro crianças, vindo a falecer em consequência das queimaduras sofridas.


§


DECAPITAÇÃO
(1967)

Decote provém de decollo,
decollo significa corto o pescoço.
A rainha da Escócia, Maria Stuart,
subiu ao cadafalso com uma blusa apropriada;
a blusa era decotada
e vermelha como uma hemorragia.

Nesse mesmo instante
num aposento solitário
Isabel Tudor, rainha de Inglaterra,
quedava-se à janela com um vestido branco.
O vestido estava vitoriosamente apertado até ao queixo
e era rematado com uma gorgeira engomada.

Pensavam em coro:
«Meu Deus, tende piedade de mim»
«A razão está do meu lado»
«Viver significa tropeçar»
«Em certas circunstâncias a coruja é filha do padeiro»
«Isto nunca mais acaba»
«Isto já acabou»
«Que faço eu aqui, aqui onde não há nada».

Diferença no traje – sim, dela temos a certeza.
O pormenor -
esse é inalterável.


§


A MULHER DE LOT
(1976)

Ao que parece olhei para trás por curiosidade.
Mas, para além de curiosidade, podia ter outras razões.
Olhei para trás com pena da malga de prata.
Por distração – ao atar a correia da sandália.
Para não ver mais os ombros justiceiros
do meu marido, Lot.
Com a certeza repentina de que, se eu morresse,
ele não se dignaria parar.
Com a desobediência dos humildes.
Ao escutar se alguém vinha atrás de nós.
Afetada pelo silêncio, na esperança de que Deus mudasse de ideias.
As nossas duas filhas afastavam-se já para além da colina.
Senti em mim a velhice. O afastamento.
A inutilidade da caminhada. A sonolência.
Olhei para trás ao pousar a trouxa no chão.
Olhei para trás receosa sem saber onde pôr o pé.
No meu caminho atravessaram-se cobras,
aranhas, ratos do campo e filhotes de abutre.
Já não eram nem bons nem maus – porque tudo o que estava vivo,
rastejava e pulava num alvoroço gregário.
Olhei para trás por solidão.
Com vergonha de fugir às escondidas.
Com vontade de gritar e regressar.
Ou terá sido somente quando se ergueu um pé-de-vento
que me soltou o cabelo e levantou o vestido,
ficando eu com a sensação de que atrás das muralhas de Sodoma
toda a gente estava a ver e desatara a rir às gargalhadas.
Olhei para trás cheia de raiva.
Para me saciar com a sua imensa destruição.
Olhei para trás por todos os motivos atrás invocados.
Olhei para trás sem querer.
Foi um pedregulho que se virou, rangendo sob os meus pés.
Foi uma fenda que de repente me cortou o caminho.
Na borda um hamster vacilava agarrando-se com duas patinhas.
E foi então que ambos olhámos para trás.
Não. Não. Eu continuei a correr,
rastejando e levantando voo,
enquanto as trevas não desabaram do céu
e, com elas, uma gravilha escaldante e pássaros mortos.
Com falta de ar, dei várias voltas.
Quem o visse, diria que eu estava a dançar.
Não é de excluir que tivesse os olhos abertos.
É possível que tivesse caído com o rosto virado para a cidade.

Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz

1 comentário:

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Uma grande poetisa do mundo.
Obrigado pela partilha.

Namibiano Ferreira