FRANCO LOI nasceu em Génova em 1930, mas cedo foi viver para Milão, aos 7 anos de idade. Escreve por isso em italiano mas também em dialecto milanês. A sua poesia aborda profusamente a temática da memória e do tempo, através de evocações do lado hedonista da vida, como sejam as mulheres e o usufruto dos frutos da terra, o que o torna um poeta imensamente italiano. A Quetzal publicou em 1993 o livro "Memória", na colecção Poetas em Mateus, revista e apresentada por António Osório, de onde se retiraram, com a devida vénia, estes três poemas.
§
Mariuccia,
as primeira maminhas da minha vida,
sorriso maroto entre as grades da varanda,
tu, de ébano,
olhos de fuinha, a rapariga de sempre,
que sob as franjas da toalha verde, a ternura,
ali, debaixo de uma mesa, como gatos abraçados,
entre os sapatos das mães e das velhas bichanando,
ali, como uma flor em botão que me beijasse,
me oferecia, qual violeta, o belo veludo da sua graça,
a mim, o seu miúdo, que arrastava
com a mãozinha magra para o sótão,
e a voz que nos chamava era o anoitecer...
oh, tardes da rua Cardano,
pátios de neblina,
sopros de bruma que vêm dos canais,
o Ernesto que aos sessenta chorava pela mãe,
por ela que com a escova lhe fustigava a cara,
ele, sapateiro, embebedava-se com o homem das bicicletas,
e ela, velha, paralítica rameira,
grita: de joelhos!
de joelhos, seu malandro!
não te faças de novas, não mereces o pão!
e em baixo, das retretes, os resmungões sibilavam:
sacana do Ernesto, como um cacho!
e nós que com os garotos vozeávamos:
o Gigi! O Gigi!
passarinhávamos céleres,
e era o vendedor de castanhada que chamava do carrinho
por mim e pela Mariuccia, e pelos mundos secretos.
de "Strólegh" (1975)
§
Poeta, dizem do apaixonado,
poeta, dizem de quem chora ao anoitecer
e de manhã se levanta em desespero.
Mas também se diz poeta quem alegra,
quem sabe falar bem, beber, comer,
e o que canta as mulheres, poeta ainda,
a juventude extasiada.
Mas os que matam nos outros a poesia
fechada à chave, e os afogam
no grande livro da vida... paciência!
Não são poetas, homens de bem não são.
São massa informe, e pronto, e assim seja.
de: "L'Ária" (1981)
§
Oh, Itália louca de gente que se foi,
amigos que se encontravam pelas ruas,
raparigas das frescas, belas pernas, bela raça
que me fazia viver do seu falar,
aves que sobre nós se enamoravam,
canções no sol, bicicletas e eléctricos:
agora estou só e à escuta da memória
que vem do dolorido da cidade,
e dentro tenho, antiga, a paciência,
falo com as árvores e o céu está sobre mim,
leve como o ser vento de um falcão
que a fome traz de longe à nossa vida.
de: "Memória"(1991)
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