RUI BAIÃO
Rude
Lisboa, Averno, 2012
Lisboa, Averno, 2012
por JOÃO PAULO SOUSA
Peguemos, por exemplo, nos últimos versos constantes na página 80, para compreendermos o alcance e os limites desta poesia:
Depois o erro, o ferro e o nada:
venal veneno que à vinda venha
à vinha, em vão, nessa barcaça rara,
muito rara, muito devagar
a ressaca a rarear,
na orla…
Não há dúvida de que estes versos constroem uma intensa musicalidade, assente em aliterações sucessivas, mas tudo parece também esgotar-se aí, o que, como bem sabemos, nem com os melhores dos simbolistas aconteceu. Não é Mallarmé ou Pessanha quem quer, para não lembrar mais do que dois autores em quem a escolha das palavras, ainda que submetida ao império da música, nunca esqueceu o seu sentido, antes soube acrescentar-lhe outros. Tal não se verifica no exemplo supracitado, retirado do volume Rude, de Rui Baião, editado este ano pela Averno. Como justificar, por exemplo, a escolha da palavra «vinha» no terceiro verso dos que aqui apresentei? Como fazê-lo a não ser para prolongar a aliteração habilmente construída no verso anterior? Mas como se pode encontrar aqui outro propósito que não o de produzir uma alternância entre o som do v e o do r, que já se fizera notar no primeiro dos versos transcritos e que será depois recuperado até ao fim do poema? Assim, será normal que nos confrontemos com uma «barcaça rara» e que esteja a «ressaca a rarear», porém nada aqui nos atinge para além da admiração que uma obra de ourivesaria concebida para épater le bourgeois poderia suscitar. Entenda-se que, neste contexto, o bourgeois será sobretudo o admirador incondicional de uma certa estética do desalento (a mesma que, com problemas similares, se manifesta na capa de Paulo Nozolino), diante de cujo altar estará sempre disposto a vergar-se, sem se questionar sobre a capacidade que a obra recém-chegada ao templo tem – ou não – para compor uma perspectiva relevante acerca de algo.
Não se diga, no entanto, que o exemplo escolhido foi propositado para obter este efeito, prolongue-se antes a leitura, desvie-se o olhar para a página seguinte, a 81, e avance-se sem temor, descobrindo ou confirmando como os versos posteriores reiteram esta declarada submissão ao princípio da dicção supostamente encantatória:
Rapina repleta à flor da insegurança facilita
o mergulho a um lance de escada. Iluminadas,
as gazes lentas, os dados agredidos
a serotonina do pânico. A cal a uma lua alagada
é uma ferida, fraqueza que a simule
às quinas sujas. […]
As aliterações em r e em l, a par da alternância entre sílabas tónicas e átonas, constroem realmente uma certa música, mas com um material – as palavras – que não vive só do ritmo e que, por isso, mesmo levando em conta uma escolha vocabular a sugerir uma vaga ideia de confronto com o mundo («rapina», «insegurança», «pânico» ou «ferida», por exemplo), se apresenta aqui nitidamente subaproveitado.
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