sexta-feira, novembro 02, 2012

MARK BOOG


MARK BOOG nasceu em Utrecht, Holanda, em 1970. É poeta, romancista e escritor de contos. Estreou-se na poesia em 1995, na revista De Appel - A Maçã. Em 2000 publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado Alsof er iets gebeurt - Como se Algo acontecesse (Meulenhoff), tendo recebido o Prémio C. Buddingh para a melhor estreia em poesia. Em 2006 recebeu o prémio para poesia VSB pelo volume De encyclopedie van de grote woorden – A Enciclopédia das Grandes Palavras. Mark Boog publicou o seu primeiro romance em 2001, De Vuistslag – O Murro (Meulenhoff). Nos anos seguintes, os livros de poesia e de prosa foram-se alternando a um ritmo rápido. Para além disso, colabora em diversas revistas literárias e em encontros de poesia. A obra poética de Mark Boog tem um carácter intimista, descrevendo cenas do quotidiano, focando-se nas emoções e relações humanas, sobretudo na dificuldade que existe na comunicação entre os dois sexos. Há por vezes um toque de cinismo e desalento nas suas observações, tudo isto descrito numa linguagem concisa e de grande força poética.

Este post - as traduções que se seguem bem como a nota introdutória que as precede - marca a estreia da nova colaboradora do Poesia Ilimitada, Maria Leonor Raven-Gomes, como correspondente de poesia holandesa deste blogue. Muito obrigado, Leonor!



UMA CASA DESESPERADA

Uma casa desesperada, irreconhecível,
num jardim calcinado.
É fácil vê-la assim,
faz mais frio do que está, está um gelo.

Vem, perdemo-nos! Mais planos que sempre
são agora os caminhos, desafogada é a vista;
nas nossas costas uma casa aparentemente inabitável.
O gelo estala ao deixarmos o caminho.

Felizmente, infelizmente, como um velho casal
passeamos de braço dado. Tudo falhou,
tudo se quebrou, porém tudo já passou.
Sorrimos, olhos nublados de lágrimas, desgostosos.

Se pararmos, exalamos vapor (vida)
e ouvimos o silêncio; apoiando-nos um ao outro
(triângulo cansado na terra), até
chegarmos a casa e acender a lareira, suspiramos.


§


AR

A tristeza como uma écharpe que ainda nos envolve,
e nos esquecemos de tirar ao chegar a casa.
Estamos de cócoras à beira do lago até nos erguermos.

Há palavras flutuando entre nós,
às vezes sabem nadar um pouco.
Impulsionamo-las como se fossem barquinhos feitos pelas nossas mãos
murmurando direcções, porém sem grandes ilusões.

O motivo porque sacrificámos o motor e a garantia de serem
à prova de submersão, geralmente presentes, é-nos desconhecido.
Não deve ter sido por tradição – é algo que detestamos - e
de certeza que não foi pela beleza, pois essa não está presente.

Acabaste de me ouvir. Atentos levantamos as cabeças,
olhos dilatados movendo-se em alerta.
Num repente o nosso olhar intensifica-se.
Aproximamo-nos como se não houvera senão ar.

(2000)


§


INVEJA

A inveja, víbora, é paciente,
a sua dentada traiçoeira.
A abundância de pedras, ervas e mato
por onde nos movimentamos, permite-o.

O veneno actuando lentamente, cárie dos ossos*
é indispensável. Traz-nos pressa, sanha, obstinação.

Antes de ruir definitivamente
(não me importa, porque também te atinge)
no mínimo alguém deve ser superado.

Acima da própria inveja, está a dos próximos.
recosta-te satisfeito em plena vista dos fracos.
O calor do sol: aprovação. O nosso esforço incansável.


* Provérbios, 14-30


§


ÓDIO

Como um edredão
a náusea que é o dia
espalha-se pelos campos.
Por baixo prolifera o ódio.

Colheita! O prazo de validade é bom,
o sabor a poucos outros é comparável.
Come, não: devora, deixa escorrer
o sumo vermelho pelo queixo.
Cospe o caroço e planta.

A casca rija fica entre os dentes,
a língua revira-se sem resultado,
mas vale a pena.

Na noite que é o medo, forjam-se planos.
Nos braços extravagantes do amor, permanecemos ofegantes.


§


TEMPO

Não conseguimos enxergar onde estamos, mas sobre
esse assunto lemos livros– helicópteros que não levantam voo.

Podemos modificar o tempo: por palavras, em nada, no presente,
nas nossas cabeças. Tempo, leitor, é teoria que nos suporta.

Desapareceram palavras onde nós estávamos, brancas figuras
humanas na fita preta da máquina de escrever. Marcados, continuámos.

Rastejando pelos montes do tempo que nos impedem a vista,
enferrujando nos sifões do tempo: sumiram-se palavras!

A fita, a paisagem, a máquina: desfiguramo-las.
Resta-nos o prazer da serrazina, o descanso do marcado a ferro

e a monumental fuga em metáforas, em lúcida incompreensão.


(2005)


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