quinta-feira, março 22, 2012

Meter conversa (2)

Onésimo Teotónio de Almeida dá-nos conta, ao almoço, da luta inglória que Annie trava para que Eduardo Lourenço deixe de coleccionar pirâmides e pirâmides de recortes de jornal, alegando ter de voltar a eles para os arquivar, o que acaba por nunca acontecer. Conta Onésimo que Annie resolve a coisa da seguinte maneira: deixa que Eduardo saia para Portugal e, de quando em vez, das pirâmides de recortes semeadas pela casa, elimina as três ou quatro camadas de baixo de modo a que Eduardo, no seu regresso a Vince, encontre sempre no topo das pirâmides aqueles que a sua memória recente lhe convoca, não dando imediatamente pela falta dos mais antigos. «Se calhar foi assim que desapareceram os diários», ironiza José Carlos de Vasconcelos.

A memória de Onésimo é feita deste mosaico de fragmentos, prodigiosamente justapostos, onde colecciona humor e intelecção. Para Onésimo, tudo pode ser crónica, como para William Carlos Williams tudo podia acabar em verso. Onésimo interpela agora Luís Ricardo Duarte pelo facto de os participantes mais novos das Correntes «não ligarem nada aos tipos com mais de 40 anos, como eu», ao preferirem juntar-se numa mesa à parte, quer ao almoço quer ao jantar. O que não é, de todo, verdade. Esse é somente o pré-texto de que Onésimo necessita para nos arrancar mais um sorriso, com o interminável gesticular de dedos que tem vindo a aperfeiçoar desde 1946: «Uma chatice, eu ter feito agora 41».

É ele o roubador de sorrisos a quem as autoridades da Póvoa sempre entregam a chave da última mesa para que Onésimo feche as Correntes com uma eficácia anglo-saxónica: «Gosto sempre de preparar a minha palestra para as Correntes com muita antecedência. Aquilo que vou dizer logo à tarde, por exemplo, é já a palestra do ano que vem».


Póvoa de Varzim, 25 de fevereiro de 2012

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