domingo, abril 17, 2011

SARA POISSON

SARA POISSON é o pseudónimo de Rasa Čergeliene: poetisa, escritora, ensaísta e fotógrafa. Nascida em 1964 em Plinkses na região de Mazeikiai na Lituânia, formou-se em jornalismo na Universidade de Vilnius, em 1990. Publicou três livros de poemas: Nelygybė [Desigualdade] em 1999, Kūno išganymas [Corpo de Salvação], em 2002, e Pasienis [Fronteira], em 2006, bem como um volume de contos, Šmogus [Ser Humano], em 2005 e um volume de ensaios, Čiupinėjimo malonumas [Prazer de Tocar], em 2007. Já neste ano de 2011, publicou um novo romance com o titulo Šabaš [Sabat]. Os seus poemas e contos foram traduzidos para inglês, alemão, holandês, polaco, ucraniano, bielorrusso, russo e georgiano. Como fotógrafa, organizou várias exposições individuais e participou em vários projectos de fotografia. Dois dos seus livros foram ilustrados com as suas próprias fotos. Sara também trabalhou como editora de documentários de televisão e rádio, como repórter do principal jornal diário lituano, Lietuvos Rytas, e como especialista em relações públicas. É membro da União dos Escritores da Lituânia desde 2003. Mora em Mazeikiai, uma pequena cidade perto do Mar Báltico.


Poesia Ilimitada tem o prazer de apresentar uma nova colaboração de Nuno Guimarães, correspondente de poesia lituana deste blogue.




Tengai *


Hoje vi um novo hieróglifo da beleza:

o mar e o vento balançando quatro enforcados.

O gosto amargo na boca. O corpo de chita branca

num arbusto como se fosse a diversidade capitulada.


Os novos casos instrumentais do azul e o areal:

o mar de chapéus, os senhores, as pequenas clareiras desenhadas nas

toalhas, as mulheres com bordados

nas mãos, as crianças com os lábios pintados.


Na palavra, dilacera uma letra doente como se latisse

a chama, atada à vela que está a esgotar-se.

O veneno de língua: virei todo o mundo

para ver a vírgula de fogo que está a tremer.


Vi uma pessoa cuidadosa e barriguda: nela

o sinal anguloso foi começado com inocência,

significou a dor, festim e brilho

sem apagar-se.


Os curativos sujos: o pé amarelo da menina

está a tornar-se num lírio. Dois homens estão a mijar

com as costas para o caminho que junta as duas cidades

grande e pequena.


Cada nome tem uma letra

raivosa.




* Na China, esta palavra significa “amor de mãe”. Esta palavra escreve-se com os dois hieróglifo: um significa a dor, outro o amor.



(tradução e interpretação: Valerija Sinkevičiūtė e Nuno Guimarães)




§




fiquei doente




fiquei doente com a inundação de sono aquoso, já na madrugada

o sono saía de mim como água da

garganta do leão no Parc de la Ciutadella em Barcelona

sem tocar nas presas e nas pesadas asas, em pétalas, da escultura

a manhã falava sobre o peso das penas de neve

as mulheres cacarejavam sobre o fim do mundo

cheirava a frango, esta manhã, esta manhã, esta manhã –

coaxava enquanto sonhava, pedia um guarda-costas do tempo, perseguida

até aos cumes do meio-dia, repetindo-me, com o sol

descasquei branqueando duas maças cor de sangue, a sua forma

rasgava o ar, e dele caíam entranhas evaporadas da encosta

o sol branco olhava directamente sem piscar, realçava

a língua vermelha das nuvens, o dia de sono era

albino, eu era os seus olhos vermelhos, morrinhava,

apontava para cima com o dedo lambido pelo céu, com ele nós

sentimos as direcções do ventoso pensamento, a cara bebia

o sangue negro das distâncias, transbordava de norte como

carícias interiores de viagens, como ardentes desejos de sedentários,

unidos por trituração, uma sem-infância negra com uma sem infância-branca

as tardes grandes em passam borbulhando com pigmentos claros de tinta de água

respirava profundamente, inspirando e

expirando anjos dos pulmões,

as ampulhetas partiam-se

com os gritos das mulheres paridas, o Fevereiro despontava

a Primavera, eu escrevia branco no branco, que o meu berço

é o fundo e de vergonha coravam na vertente

as coisas do meu sono, que esta manhã, esta manhã, esta manhã,

é muito a manhã passada




(tradução e interpretação: Giedrė Šadeikaitė e Nuno Guimarães)




3 comentários:

Interaja! disse...

Fantástico!
Bom saber que existem blogs como esse. Acrescentou-me bastante.

E os poemas? Maravilhosos...

Já possuem mais um seguidor...

Érika.
interajalivre.blogspot.com

Livraria Livrilusão disse...

Caro Amigo/Amig@,

Livros existem para aventurarem-se de mão em mão, enchendo olhos e
mentes, traspassando mundos vários, continentes distantes, até
mesmo galáxias perdidas deste infinito Universo, sem respeitar nem mesmo as fronteiras do senhor Tempo.

É com base neste espírito que Lisboa acaba de ganhar um novo Alfarrábio on-line. É o www.livrilusao.com, que vende livros usados e novos.

No entanto, não queremos ser apenas um alfarrábio a mais. Para além de comprarmos, vendermos e trocarmos livros, buscamos também
interagir com todos que queiram trocar ideias connosco sobre livros, artes em geral e tudo o mais relacionado com Cultura.

Convidamos-te a visitar a nossa página e, se achar interessante, ajudar a divulgá-la, repassando esta mensagem para a sua lista de emails.
Vamos dar continuidade à aventura dos livros!

Obrigada,
Giulia

Fabio G. Bensoussan disse...

Parabéns pelo excelente blog - um dos melhores que venho acompanhando - e que preenche importante lacuna em nossa língua. Abraço, Fábio - http://bibliotecadofabio.blogspot.com