EDUARDO PITTA nasceu em Lourenço Marques, em 1949. É poeta, ficcionista, ensaista e crítico literário. Publicou 9 livros de poesia. É igualmente autor do blogue Da Literatura. O seu primeiro livro "Sílaba a Sílaba", data de 1974. A sua é uma poesia lírica, sintética, elíptica, feita de expressivas imagens que refletem a distância e um medo urbano onde os encontros (e os desencontros) do amor estão presente. Fazendo frequente uso de um léxico alusivo ao corpo (corpo como pátria tanto quanto como lugar do amor), os seus são poemas que refletem em diferentes momentos, o amor conseguido e o amor perdido, em átimos (autobiográficos?) que sugerem mais do que o que explicam, como compete à poesia, conseguindo deixar no leitor uma sensação de incompletude e mistério, dessa forma transmitindo a angústia própria do amor desordenado. Eis 3 poemas retirados, com a devida vénia, do seu último livro "Desobediência, poemas escolhidos" (D. Quixote, Lisboa, 2011).
Gosto da claridade penumbrosa
de adolescentes indecisos.
Gosto deles assim lentos
inaptos, vorazes, sedentos
do labor meticuloso e da
antiquíssima sabedoria de outras mãos.
Anjos devastados, senhores do caos
é para longe que partem.
O primeiro dos vinhos, bebido
da ânfora para a boca, alerta-os -
regressam agora às palavras e
aos gestos de antigamente.
Cumprem-se no jogo.
E ninguém suspeita de nada.
§
Mais do que uma casa era um refúgio
forrado de livros, gravuras e mesmo
alguns retratos. O fragor do mar
não colidia com o canto da lareira
e a impaciência de Xavier, o siamês.
Rimbaud andou por lá, voando nas dunas,
os pescadores extasiados
do seu perfil motorizado. Havia quem
roubasse amoras para o serão
e os que em sigilosas noites
chegavam a coberto das escarpas
do Porto Batel. A casa
continua lá, habitada pela memória desolada
de quem partiu. O quintal abriga
peregrinos, o vento, vegetação rasteira
e o jogo ardiloso de dois amantes.
§
Está um rapaz a arder
em cima do muro,
as mãos apaziguadas.
Arde indiferente à neve que o encharca.
Outros foram capazes
de lhe sabotar o corpo,
archote glaciar.
Nunca ninguém apagou esse lume.
1 comentário:
Caro João Luís, vi agora a entrada que me dedica. Bem haja!
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