domingo, fevereiro 20, 2011

MIREN AGUR MEABE

MIREN AGUR MEABE nasceu em Leikeitio, País Basco, em 1962. É formada em Filologia Basca, exercendo a profissão de editora. Publicou o seu primeiro livro de poesia em 1999, mas foi com “Azalaren Kodea”(2000), “O Código da Pele” que recebeu a aclamação da crítica espanhola. Meabe refere que rebelião, não conformidade e crítica aos estereótipos estão no cerne deste seu livro onde procura um novo código de comunicação mais centrado no corpo. Shanon Keefe Ugalde descreve a sua poética como algo que deixa de lado a ideia da mulher abandonada e escolhe representar o desejo e o erotismo mais abertamente. Mas esta é também uma poesia que se interessa pelas pequenas coisas e pelas experiências concretas do dia-a-dia, tanto quanto com jogos oniricos e sensuais. Eis três poemas, vertidos do inglês, retirados do livro “Six Basque Poets” (Arc Publications, Todmorden, UK, 2007, tradução de Amaia Gabantxo, introdução de Mari Jose Olaziregi, edição de Alexandra Büchler). Com a devida vénia.



CÓDIGO

Proclamo um código alternativo:
alheio às palavras,
uma linguagem sem frases,
uma língua que não possa ser condenada à memória,
uma prosa para enganar promessas,
um dialecto mudo sem
listas de preços ou formas de denúncia,
uma fonte gratuita de significados ambíguos,
um modo de expressar tudo quanto não pode ser expresso.


§


BREVES NOTAS (1)

Ontem queimei um lençol,
com o ferro,
fiz isso sozinha,
gravei-lhe um colorido triângulo torrado
graças à televisão.
Tenho sempre a televisão pequena na cozinha
enquanto passo a ferro:
uma criança negra numa guerra
mamava ao peito de sua mãe morta.
Senti que tinha engolido uma bola de pêlo.
Não irei esquecer isso:
o leite gotejou para dentro do meu peito.


§


COISAS CONCRETAS


Estou sentada na cozinha, enquanto a massa ferve.

Amo as coisas concretas
descobrir seus nomes ao pequeno-almoço:
despertador, chuva na calçada, supermercado,
beijos na siesta,
um copo de vinho, amigos,
as pequenas mãos de meu filho,
pessoas na praça,
tu...

Elas produzem as mais doces e lânguidas cócegas,
como um banquete após o jejum.
Parece-me impossível afastar-me de tais coisas:
colam-se à minha caneta e parece que não consigo sacudi-las.

No entanto,
as coisas concretas não permitem atrasos,
e a massa já está pronta.
Assim é a vida.
Quando o semear do poema começava a germinar,
eis que o mundano vem intrometer-se.
E lá tenho eu que me levantar da mesa,
enquanto a sombra de um bilioso humor assenta.

3 comentários:

Felicidade Clandestina disse...

Que maravilha esses versos.

Encantada!

Maria Azenha disse...

Uma Poesia de excelente qualidade.

***

bonetti arquitetura disse...

Mas este blog foi mesmo a melhor coisa que encontrei ultimamente. Abraços!