segunda-feira, abril 19, 2010

RUI ALMEIDA acerca de JOSÉ BLANC DE PORTUGAL

«Assusta-me como podem estar esquecidos, ou desprezados, poetas como José Blanc de Portugal, cujo contributo para a elevação da poesia portuguesa do séc. XX – como autor, crítico e divulgador – é inquestionável e soube abrir caminhos de originalidade e de coragem poética. Parece-me significativo o que sobre ele diz Jorge de Sena: «A sua poesia, que é a de um espírito dramaticamente católico e de uma vastíssima cultura em todos os campos do conhecimento, caracteriza-se por uma dignidade de tom, uma severidade austera da expressão, um fôlego contido, os quais, do fundo de uma humildade angustiada, através de um humor quase negro ou de uma ternura discretíssima, repercutem, como em raros outros poetas contemporâneos, uma áspera consciência trágica das contradições do mundo moderno. Poesia da mais alta categoria, sem quaisquer concessões de factura ao leitor ou a si própria, sempre ameaçada de efectiva destruição pelo poeta, é, na sua linguagem densa e rude, de uma originalidade muito peculiar, em que a inspiração desenfreada e a lucidez exigente lutam constantemente por um equilíbrio precário e irónico que constitui, para o poeta, a própria imagem da vida humana


José Blanc de Portugal
(Lisboa, 8 de Março de 1914 – 5 de Maio de 2000), foi Meteorologista, Poeta, Crítico Musical e Tradutor. Fundador e co-director dos Cadernos de Poesia em todas as suas séries. Poesia: Parva Naturalia, 1960 (Prémio «Fernando Pessoa» 1959); O Espaço Prometido, 1960; Odes Pedestres, precedidas de «Anti-Poética», 1965 (Prémio da Imprensa); Descompasso, 1987; Enéadas, 1989; Memorabilia (a acompanhar Onze Obras, de Vespeira), 1997; Quaresma Abreviada, 1997; Estrofes, 1999.

ELEGÍACA

Os afogados do verão
Os que morrem no outono
Os que o inverno gelou
Quem não pôde aguentar mais primaveras
Mais os sinistrados de todo o ano
Ganharam bem do tempo a morte.
Tu que continuas a pisar
Cada dia esse caminho
Cada dia igual e sempre diferente
À cabeça a encardida malga
Da sopa dos pobres que é dada
Não já por caridade nem rotina
Mas como ritmo ordenado
Fado dos tempos das estações da vida,
Tens bem mais alta sorte heróica:
Pagas maior vida
Vives cada dia a morte
Sem que sequer te importe
Mais que a aresta viva
De cada pedra a evitar
No sabido caminho
Igual ontem, hoje e amanhã.
Assim constróis o lixo suburbano
Donde subirão um dia
O que hão-de ser «os bairros novos
Da progressiva cidade»
Nos discursos municipais.

Os mortos dos jornais
E tu que nunca lá irás parar
Abrem as covas –
Para vós elas se fazem. –

Quem serão os vivos?


§


Rui Almeida nasceu em Lisboa em 1972. Mantém, desde 2003, o blog Poesia distribuída na rua. Publicou em 2009 o seu primeiro livro de poemas Lábio Cortado, na editora Livro do Dia e tem colaborado com algumas revistas.


3 comentários:

Anónimo disse...

Sou apaixonada pela literatura portuguesa.
Maria Teresa Horta
José Cardoso Pires
Adolfo Correia e por aí vai, sem falar naquela tal Pessoa. Ótimo conhecer mais um!

Anónimo disse...

Sou novato nestas coisas admito. Escrevo como 3 pessoas diferentes (Eu mesmo inclusive) e gostava que se pudessem dar um saltinho ao meu blog que o fizessem. Cumprimentos de um poeta sem divulgação

JDACT disse...

Excelente trabalho.
Obrigado.
Com amizade.
JDACT