segunda-feira, abril 12, 2010

LUÍS FILIPE PARRADO acerca de ANDREW HUDGINS

«Escolho este poema por ter sido um dos primeiros que apresentei no meu blogue e porque continua a ser um dos que mais gosto. E por que gosto? Por se tratar de um texto que alia um cuidado formal a uma multiplicidade de sentidos que se entrecruzam, tudo isto num registo de uma simplicidade desarmante. O cuidado formal verifica-se, por exemplo, na regularidade estrófica e métrica, bem como no facto de se dizer o que há a dizer sem que se sintam palavras a mais ou a menos. Quanto ao sentido, ele nasce da força discreta de uma narrativa que é uma evocação de uma experiência da infância ou adolescência – real ou imaginária, tanto faz – do “eu” poético. Uma narrativa que faz da memória, do tempo, da “descoberta” da morte e do medo os seus temas fundamentais: numa descida aos infernos (ao fundo de um poço), o poeta, enquanto jovem Orfeu, descobre e resgata a sua Eurídice invertida na figura do cadáver do cão do vizinho que pode contaminar as águas vitais do poço. No fim, o regresso à superfície é o regresso à vida e a sua descrição é a evidência desta espécie de acto de resistência ao tempo e à morte que, muitas vezes, a poesia é.»


ANDREW HUDGINS
nasceu em Killeen, Texas, em Abril de 1951 e é autor de vários livros de poesia e ensaio ("Saints and Strangers", "Babylon in a Jar", "The Glass Anvil" são alguns deles). Tem poemas publicados em revistas como The New Yorker ou Paris Review e em diversas antologias de poesia americana. É professor na Universidade de Cincinnati, no Ohio.

IN THE WELL

My father cinched the rope,
a noose around my waist,
and lowered me into
the darkness. I could taste

my fear. It tasted first
of dark, then earth, then rot.
I swung and struck my head
and at that moment got

another then: then blood,
which spiked my mouth with iron.
Hand over hand, my father
dropped me from then to then:

then water. Then wet fur,
which I hugged to my chest.
I shouted. Daddy hauled
the wet rope. I gagged, and pressed

my neighbor's missing dog
against me. I held its death
and rose up to my father.
Then light. Then hands. Then breath.



NO POÇO

O meu pai cingiu a corda,
um nó em torno da minha cintura,
e baixou-me para o interior
das trevas. Pude provar o sabor

do meu medo. Primeiro do escuro,
depois da terra, depois da podridão.
Oscilei e bati com a cabeça
e nesse instante cheguei

a outro medo: o do sangue,
que me fez cerrar ferreamente a boca.
À força de mãos, o meu pai
fez-me passar por tudo isto:

depois a água. Depois o pêlo encharcado,
que abracei contra o peito.
Gritei. E o meu pai puxou a corda
molhada. Desequilibrei-me, apertei

o cão desaparecido do meu vizinho
contra mim. Segurei a sua morte
e ascendi até ao meu pai.
Depois luz. Depois mãos. Depois a respiração.



LUÍS FILIPE PARRADO nasceu no Seixal, em 1968, onde vive. É professor de Português no ensino secundário. Passa poemas para português no meu blogue favorito: Do trapézio, sem rede. É uma das mais consistentes revelações poéticas dos últimos anos.

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