terça-feira, março 23, 2010

MANUELA RIBEIRO acerca de ÁLVARO DE CAMPOS

«Escolho este poema, porque sim. Porque sou eu este poema. Porque lhe pertenço. Porque "o que há em mim é sobretudo cansaço". Um profundo cansaço d' "Essas coisas todas/ Essas e o que faz falta nelas eternamente", quando, no final de cada instante de uma vida plena de realizações e fracassos, as palavras já custam a sair embargadas de silêncio. E o que fica é "Um supremíssimo cansaço./ Íssimo, íssimo, íssimo,/ Cansaço..."; "se puder ser,/ Ou até se não puder ser..."»



O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...


Manuela Costa Ribeiro nasceu em 1963, na Póvoa de Varzim. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses e Franceses - pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi professora de Português e Francês na Escola Secundária Eça de Queirós, trabalhou como jornalista na SOPETE Rádio Mar e como correspondente no Jornal Público. Desde 1995 está ligada ao Pelouro da Cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, responsável pelo Gabinete de Projectos Sócio-Culturais. É Co-organizadora do evento literário Correntes d’ Escritas - Encontro de Escritores de Expressão Ibérica e Co-coordenadora da Revista Correntes d’ Escritas. Publicou o seu primeiro livro, Cego do Maio Anjo da Salvação, na meiosdarte, em Dezembro de 2005. Em Novembro de 2006 publicou o seu segundo livro, O Catitinha, na editora Campo das Letras.





2 comentários:

Cel espiao disse...

lindo poema

Bluemoon disse...

Adoro esse poema. Aliás, adoro a forma de escrever de todos os heterónimos de Fernando Pessoa!

Também gostei muito do blog, é bom saber que ainda há muita gente que aprecia poesia.

http://equandoanoitece.blogspot.com/