segunda-feira, março 22, 2010

LUÍS MAFFEI acerca de GASTÃO CRUZ


«Um poema especial: três estrofes, doze decassílabos e uma espécie de paralelismo entre os primeiros e os últimos versos. No poema, “nada” é coisa alguma, e “nada” é um pós-morte que não interessa à poesia de Gastão Cruz – ou interessa na medida da sua angustiante impossibilidade. Camões, presença não rara em Gastão, é o poeta que ousou fazer do amor o grande fito do humano, e morreu assassinado/ suicidado por uma penosa “espada”, amorosa e não. Há magistralidade na obra gastoniana, não por qualquer ensinamento que pretenda conter, mas, pelo contrário, em virtude de sua sábia humildade: “Não estamos”, poema inclusive, “preparados para nada/ certamente que não para” excessivas e pretensiosas verdades.»


DENTRO DA VIDA

Não estamos preparados para nada:
certamente que não para viver
Dentro da vida vamos escolher
o erro certo ou a certeza errada

Que nos redime dessa magoada
agitação do amor em que prazer
nem sempre é o que fica de querer
ser o amador e ser a coisa amada?

Porque ninguém nos salva de não ser
também de ser já nada nos resgata
Não estamos preparados para o nada:
certamente que não para morrer



Luis Maffei (Brasília, 16 de Fevereiro de 1974) é Professor de Literatura Portuguesa do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense. Doutorou-se em 2007 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a tese “Do mundo de Herberto Helder”. Como poeta, publicou "A" (Rio de Janeiro: Oficina Raquel), em 2006, "Telefunken" (Rio de Janeiro: Oficina Raquel), em 2008 – a edição portuguesa deste livro foi lançada em 2009 pela Deriva – e lança, no próximo mês de abril, "38 círculos" (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2010). Como músico, lançou, em 2004, o disco "na mesma situação de blake", em parceria com Marcelo Gargaglione. Coordena, para a editora Oficina Raquel, a série "Portugal, 0", dedicada à novíssima literatura portuguesa, responsável pelas antologias brasileiras das obras de Manuel de Freitas, Rui Pires Cabral, Luís Quintais, Pedro Eiras e valter hugo mãe. Tem textos publicados em diversos periódicos de literatura, como as revistas Gragoatá, Metamorfoses, Relâmpago e Telhados de Vidro.



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