Setembro 12, Quarta-feira, Dia 2
12 h 30 m
O Memorial está de novo parado, em apoio ao Cornell. Passei a manhã no bloco. Os computadores estão lotados, pela procura de internet. Escrevi há pouco para o Público. Falei com a SIC Notícias. De manhã cedo passamos pela unidade de queimados. Contei centenas de médicos, estudantes e enfermeiros. Tentei então doar sangue mas só estão a aceitar O positivo. Um dos bombeiros queimados relatou com dificuldade que ao entrar na torre, esta lhe pareceu oca por dentro e uma enorme bola de fogo desceu pelo lúmen do prédio, cuspindo-o violentamente contra a porta giratória. O mais provável é que quem vier a ser resgatado dos escombros não seja funcionário dos prédios mas bombeiro ou polícia, homens que tenham entrado no hall das torres escassos instantes antes da queda.
Hoje, ao descer a York Avenue, senti uma dor profunda e foi com esses olhos que vi a cidade acordar sob cinzas. Vou falando com as pessoas e ninguém compreende como é possível que isto possa ter acontecido: em quatro aviões diferentes, em distintos aeroportos, sob distintos controlos de polícia.
Os nova-iorquinos já saíram de novo para as ruas. Para passear o cão ou o carrinho de bebé, para um jogging matinal. Se é a maneira que têm de seguir em frente, deixando transparecer a ideia de que a vida não parou, isso não sei. Mas sentem-se desrespeitados. Sentem-se cobardemente atacados.
As lojas estão abertas, não falta água nem comida. Os preços não aumentaram. Apenas não se vêem carros a circular porque a cidade está isolada em todas as pontes e túneis. De novo, há uma tristeza profunda nas pessoas. Isso impressiona muito. São rostos baços e tristes, estáticos, indignados. Alguns choram nas ruas, muitos usam o telemóvel. Estima-se que tenham morrido mais de 10.000 pessoas. Mas os escombros ainda ardem, não estamos a receber feridos e com a temperatura dos destroços, acredita-se que de dia para dia diminui consideravelmente a probabilidade de recuperar pessoas com vida.
A resposta da população, nas dádivas, foi impressionante. Trabalhadores da construção civil acorreram aos escombros, deixando para trás as suas obras para limpar entulho, noite e dia.
O Mayor falou em três semanas. Para o espírito vai ser bem mais.
16 h 45 m
Passa-se esta coisa extraordinária: vêem-se pessoas a correr em massa a comprar postais de Nova Iorque. Postais onde figure a silhueta das torres gémeas. Mesmo nova-iorquinos, que provavelmente passavam pela calçada das lojas sem nunca ter parado para comprar o mais banal dos postais, quedam-se agora estáticos a escolher demoradamente cenas diurnas e nocturnas com as torres atingidas.
É algo que toca fundo, a procura de lembranças, o lamento que exprimem, como se refractariamente sentissem o ímpeto de deslocar a perda de vidas humanas para a perda do ex-libris.
Já se discute a reconstrução. A América vive muito de símbolos.
17 h 45 m
Durante a pausa para o almoço com os colegas de Cirurgia Plástica, conversei com Charles G. que esteve no Ground Zero. O canadiano chegou ao local duas horas após a queda das torres, e confessa-se incrédulo de que ainda possa haver gente viva sob os escombros.
Charles descreveu-nos minuciosamente a triagem de emergência montada no lobby de um arranha-céus, localizado sensivelmente a dois quarteirões do local, e onde se atenderam sequencialmente duas vagas de vítimas: uma primeira, de funcionários das torres gémeas, surpreendidos que foram nos pisos inferiores das torres; uma segunda, de bombeiros e polícias, vítimas de queimaduras e fracturas. Contou também que poucas pessoas foram atendidas, se considerarmos a dimensão do atentado. No Saint Vincents Hospital, um dos da primeira linha, terão sido recebidas somente 400 pessoas. Julian G. esteve por lá doze horas seguidas e confirmou que as equipas por mais prontas que estivessem, a dada altura da tarde ficaram sem ninguém para atender.
Tem sido esse o grande drama. Excesso de equipas médicas. Falta de a quem socorrer.
1 comentário:
Parabéns!Bravo!Sempre que "passeio" por aqui encontro algo que me faz voltar,especialmente quando são crónicas de JLBG!beijinhos.Tonas
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