domingo, abril 02, 2006

LUIS ALBERTO DE CUENCA

Poeta, tradutor e ensaista espanhol, LUIS ALBERTO DE CUENCA nasceu em Madrid em 1950. Interrompeu os estudos de Direito para se licenciar em Filologia Clássica. O poema "A Mal Casada", apareceu no seu livro “El Outro Sueno”, de 1987, e foi traduzido pelo poeta Jorge Sousa Braga para o Poesia Ilimitada.


A MAL CASADA (1987)

Dizes-me que Juan Luis não te compreende,
que só pensa nos seus computadores
e que não faz caso de ti de noite.
Dizes-me que os teus filhos não te ajudam,
que só te dão problemas, que se aborrecem
com tudo e que estás farta de aturá-los.
Dizes-me que os teus pais estão velhos
que se tornaram tacanhos e egoístas
e que já não és a sua menina como dantes.
Dizes-me que já fizeste trinta e cinco
e que não é fácil começar de novo,
que os únicos homens que conheces
são os colegas de Juan na IBM
e não gostas de executivos.
E eu, o que é que eu faço nesta história?
Que queres que eu faça? Que mate alguém?
Que dê um golpe de estado libertário?
Amei-te como um louco. Não o nego
mas isso foi há muito, quando o mundo
era uma reluzente madrugada
que não quiseste compartilhar comigo.
A nostalgia é um passatempo grosseiro.
Volta a ser a que foste. Vai ao ginásio,
Pinta-te mais, disfarça as tuas rugas
e veste roupa sexy, não sejas tonta,
que talvez Juan Luis te volte a mimar,
e os teus filhos vão para um acampamento
e os teus pais morram.



8 comentários:

Anónimo disse...

poema duro este...

Nastenka disse...

Poema incisivo de uma condição mais que comum... Apreciei o poema e senti-me instigada a ler mais sobre o autor. Obrigada!

lésbica só disse...

certeiro, este poema. e duro...

hfm disse...

É um prazer andar pelas linhas destes posts!

João Miguel Almeida disse...

É o exemplo da dificuldade de ler um poema fora do contexto. O «ego poético» pretende ser duro, mas revela toda a sua fragilidade: a mulher que o interpela partiu-lhe o coração. O poeta sente-se incapaz de perdoar - parafraseando o Evangelho de S. Lucas: «A quem pouco ama pouco se perdoa». A amada quer a reconciliação e obtém uma amarga retaliação por acontecimentos há muito passados mas não ultrapassados.
Esta exposição da fragilidade masculina é voluntária e irónica ou involuntária e de uma violência básica? Seria preciso ler outros poemas para perceber...

João Luís Barreto Guimarães disse...

João Miguel,

não sei se será a amada a querer mesmo a reconciliação, se apenas lamenta - a quem menos devia, porque o preteriu - a opção que tomou por outrém e que agora reconhece como errada.

É interessante o teu ponto de vista de crueldade básica, mas no poema vejo mais a posição de uma personna masculina (e é claro que poderia ser ao contrário...) que não acredita que se possa voltar onde se foi feliz. É a voz de um cínico pragmático, nada nostálgico, a que fala, é verdade, mas isso é que faz do poema um bom poema. Surpreendente e inesperado.

Anónimo disse...

É talvez pelo pragamtismo que alguns dos comentadores deste post o apelidam de poema "duro"... É sem dúvida, de uma honestidade arrebatadora.

Nuno Gouveia disse...

Creio que este poema fala com clareza da condição femenina.
Por vezes, se temos realmente amor por uma Mulher, um amor que sentimos não receber de outro que não nós, devemos antes tentar ensinar-lhe esse amor, e não será certamente por ela se sentir ofendida, que o nosso amor resvalará para a frieza.
O poeta diz:
Que queres que faça, para além de tudo o que já fiz?
Cruel, pode dizer-se.
Altruista e puro, eu digo.