
Publicou “Legenda” (Atlas, 1995), “Termómetro. Diário” (Black Sun, 1998), “Olhos de Morder Lembrar e Partir” (Black Sun, 2000), “Lançam-se os Músculos em Brutal Oficina” (& etc, 2000) e “Em Trânsito” (& etc, 2003). O seu último livro intitula-se “Em Partes Iguais” (Assírio & Alvim, 2004).
Os poemas de Carlos Bessa, onde descrição e narração se enlaçam num registo prosaico, organizam-se como que por estratos, resultando a sua leitura numa cadência expressionista, muitas vezes deliberadamente despoetizada porque próxima da fala, e com inúmeras quebras gramaticais que se dão a ler de forma descontínua e alusiva, sincopada e metonímica.
O tom dominante é o de uma aguda crítica à vida em sociedade, tanto rural quanto urbana, à rotina, ao tédio, procurando - por exemplo através da dissonância dos títulos - menos a adesão emocional do leitor do que o esforço da sua consciência. É frequente o uso do nonsense e da derisão, através do emprego de efeitos subversivos, surrealizantes, e de originais e inesperados efeitos de linguagem que frequentes vezes apelam para uma leitura descontruída e sabotada. Uma poesia fragmentária, portanto, deliberadadamente crua.
O poema “lista de compras” foi retirado do seu livro de 2003 “Em Trânsito”, e “a marmita, todas as noites a marmita" da sua colecção de 2000 “Lançam-se os Músculos em brutal Oficina”.
lista de compras (2003)
Fazia a lista de compras com um ar ligeiramente
Sonhador. Amachucava pedacinhos de papel
Que nos fim pareciam smarties.
- Estou sempre contigo, sempre.
- E tu pesas-me.
- Sem ti, sinto-me num vácuo.
- És de chumbo.
E na lista de compras lá vinha um quilo de arroz
Um litro de azeite, duas latas de atum.
O sol, como uma flor, fazia da cozinha
Uma festa, a que as cortinas conferiam ar de templo.
No fogão ardia o leite, ouvia-se o chiar
Da máquina de café e o coração
Como um atleta, cada vez mais pálido
Cada vez mais longe.
a marmita, todas as noites a marmita (2000)
De alumínio e, do tanto uso, de um cinza
Baço, encardido. Talvez por isso um dia disse-o
Em voz alta com as lágrimas, ali, longe de tudo
Num banco de Lisboa.
O frio que passou do carro para o autocarro.
As tardes de chuva quando chegava no chão
Sentado ao lado do condutor, ao lado do deus
Que o trazia no mesmo frio, na mesma posição de chinês.
Sem nos dizer do que passava, das suas alegrias
ou tristezas. Assim até o b.i.
A lei portuguesa acenar e dizer dos estigmas
Do trabalho que se deve em nome da mesa.
Não produzia molas suficientes e a marmita
Arrumada para sempre no fundo do armário
Ficou esquecida, mas não o sofrimento.
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