quinta-feira, março 30, 2006

REMCO CAMPERT

Ainda August Willemsen (obrigado!), desta feita sobre REMCO CAMPERT (Haia, 1929): “(…) é estilisticamente o mais comedido e o mais acessível. Sem o experimentalismo de Schierbeek, a busca linguística de Kouwenaar ou o fogo de artificio verbal de Lucebert, Campert, dono de uma dicção inconfundível, sóbria, melancólica, irónica, avessa a efeitos retóricos, é o mais popular dos Cinquentistas (…)


CARTAS

Ainda preciso escrever a fulano e beltrano
que vou bem de saúde
que ontem me embebedei no bar grego
e depois no bar norueguês, no turco

que me preparei
para a altíssima conta do gás

e outras coisas a outros –
como deambular num mundo cada vez mais inexplicável

que alguém disse:
vocês holandeses são todos iguais
e olha que eu tinha pago
e tinha óculos franceses
e uma colectânea de poesia alemã no bolso
e em casa sobre a mesa
aquele insuperável poema de Anne Sexton
wanting to die

e ouve como troquei os fusíveis
e de repente a luz apareceu
e ela dormia no sofá
debaixo do cobertor azul

a beltrano e sicrano ainda preciso escrever
que isso eu não faço
que me recuso
que vou apresentar queixa
que os dias aqui se derretem em chuva
que o mundo não é maior do que uma cidade
do que eu naquela cidade
do que os meus pés naquelas pedras

e o que eu vejo ao pestanejar
e preciso perguntar como vão passando
se a casa já está pronta
o artigo bem traduzido
se as crianças cresceram
se as mulheres não são de todo infelizes


(Tradução de August Willemsen e Egito Gonçalves)

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