Como é óbvio, as figuras de estilo não se esgotam no símile, na metáfora, na metonímia, na sinédoque e na personificação. Por vezes, designadamente na poesia de tom épico ou narrativo, o poeta enfatiza o seu argumento ao ponto do poema conter versos que, aos olhos do leitor comum passam por ser um exagero. Quando Fernando Pessoa (Lisboa, 1888-1935), no poema “Padrão” escreve:
“O mar sem fim é português.”
faz uso de uma figura de estilo designada hipérbole visando dramatizar o tom épico do escrito. Como é óbvio, nem naquela altura o mar era todo português! Trata-se de um exagero.
Pelo contrário, com o uso do subentendido ou atenuação pretende-se igualmente enfatizar a mensagem mas desta feita optando-se por dizer menos do que aquilo que fica implícito. Ao contrário da hipérbole, o subentendido é uma figura de estilo mais usada em poemas de tom irónico, como vimos, mas também noutros em que o decoro, a reserva, o pudor ou o confessionalismo estão presentes. Percebemos assim que uma das funções das figuras de estilo é servir o tom da voz da personna que fala no poema. Permitam-me, desta vez, que exemplifique com um poema de café do meu livro “Lugares Comuns” (Mariposa Azual, 2000):
19 DE OUTUBRO
O casal da mesa do lado não tocou nas palavras durante o pequeno-almoço. Cumpriu-o indiferente sem incomodar o silêncio, sem ter provado sequer uma curta vez que fosse do dissabor das palavras.
O casal da mesa do lado já deve ter dito tudo.
Uma outra figura de estilo que os poetas utilizam - e que a mim me agrada particularemente, - é o jogo de palavras, o que os anglosaxónicos designam por “pun”. É mais utilizado - mas de modo algum exclusivamente - em poemas de tom satírico, sarcástico, humoristico ou simplesmente irónico. Um exemplo, novamente de Alexandre O’Neill (Lisboa, 1924-1984), retira-se do seu poema “Meditação na Pastelaria”:
“Por favor, Madame, tire as patas,
Por favor, as patas do seu cão
De cima da mesa, que a gerência
Agradece.”
O caso do eufemismo é diferente. Com o recurso a esta figura de estilo, omitem-se ideias desagradáveis ao leitor, através do uso de expressões mais benignas. É uma figura de estilo muito encontrada na poesia de tom romântico. Quando Soares de Passos (Porto, 1826-1860), no seu poema “O Noivado do Sepulcro” que decorre num cemitério (num jardim eterno) escreve:
“Que paz tranquila!...”
quer na realidade significar algo de mais horrivel como “Que silêncio de morte!...”, utilizando aquela expressão atenuada em vez de outra mais verdadeira, mas mais cruel. À semelhança do subentendido, o eufemismo também é frequentemente utilizado em poemas cujo tom é de reserva ou de pudor. Já no paradoxo, o autor propõe ao leitor uma expressão que se apresenta inicialmente como surpreendente e até contraditória mas que acaba por fazer sentido. É o que acontece no célebre poema “Carta de Amor” (1981), de Jorge Sousa Braga (Vila Verde, 1957), dedicado ao poeta Eugénio de Andrade (1923-2004) por quem nutria admiração e amizade:
Um dia destes
vou-te matar
Uma manhã qualquer em que estejas (como de
costume)
a medir o tesão das flores
ali no Jardim de S. Lázaro
um tiro de pistola e ...
Não te vou dar tempo sequer de me fixares o rosto
Podes invocar Safo Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de
eternidade
Adeus pois mares de Setembro e dunas de Fão
Um dia destes vou-te matar
Uma certeira bala de pólen
mesmo sobre o coração.
A aparente agressividade do narrador acaba por se desfazer, surpreendentemente, em ternura. Se estas – ou outras figuras de estilo, – são instrumentos ao dispor do poeta para o ofício da escrita, em boa verdade devo confessar que não conheço ninguém que escreva com essa obcessão: as coisas simplesmente saem. Pedro Mexia (Lisboa, 1972) incluiu no seu livro “Avalanche” (Quasi Edições, 2001), um poema em que parodia um pouco com o uso de figuras de estilo:
“PARÁFRASE
Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência
infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petraquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
(…)
Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.”
Se dúvidas restassem, porém, de que é possível escrever bons poemas sem recorrer a nenhuma figura de estilo, eis a prova definitiva na voz de William Carlos Williams (Rutherford, 1883-1963):
THIS IS JUST TO SAY
I have eaten
the plums
that were in
the icebox
and which
you were probably
saving
for breakfast
Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold
ERA SÓ PARA DIZER
Eu comi
as ameixas
que estavam
no frigorifico
as quais estarias
provavelmente
a guardar para
o pequeno-almoço
Perdoa-me
eram deliciosas
tão doces
e tão frias
Boa noite. Hoje leia poesia...
1 comentário:
desculpa, mas eu não posso concordar que no texto de William Carlos Williams não conste uma figura de estilo.
na verdade, o que marca este poema é o facto de parecer ser um relato banal (quase como um post-it deixado em cima da mesa onde sabe que a sua 'amada'- é a figura "tu" que vejo- vai tomar o pequeno almoço ou por onde vai passar quando se levantar), quando de facto não está isento de figuras de estilo, mas está sim escrito, todo ele, sobre "a máscara" de uma metáfora. metáfora para o amor.
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