quinta-feira, dezembro 29, 2005

EZRA POUND

Saiu há dias para as livrarias a obra maior de EZRA POUND (1885-1972), Os Cantos (Assírio & Alvim, 2005), da qual apenas conhecia em português a tradução parcial de Luísa Campos e Daniel Pearlman (Do Caos à Ordem, Assírio & Alvim, 1983, 2ª edição 1993), além do original. Ezra Pound nasceu em Hailey, Idaho, tendo estudado nos Estados Unidos até 1908, altura em que viajando pela Europa se fixou sucessivamente na Irlanda, em Inglaterra, em França e em Itália. Ambicioso de personalidade – desejando deixar uma marca decisiva na poesia ocidental da sua época, – Pound fundou a corrente do Imagismo (mais tarde o Vorticismo) e apoiou decisivamente escritores tão importantes da sua época como vieram a ser Eliot, Joyce, Williams ou Hemingway, entre outros. A segunda metade da sua vida viu-o envolvido em polémicas e atribulações várias como o apoio propagandístico que prestou a Mussolini durante a IIª Grande Guerra Mundial, bem como um diagnóstico de insanidade mental e um internamento de doze anos num asilo americano. Perdoar-me-ão que confesse, no entanto, não serem Os Cantos (1925-70) em toda a sua diversidade e complexidade o "meu" livro de Ezra Pound, antes Cathay (1915), traduzido para português por Gualter Cunha, na Relógio d’Água (1995), obra onde o americano revisita a poesia oriental de Rihaku (Li Po) entre outros, leitura seguramente muito ao gosto de Jorge Sousa Braga e Casimiro de Brito. The River-Merchant’s Wife: A Letter, é um poema a que volto frequentemente para apurar a minha versão.



THE RIVER-MERCHANT’S WIFE: A LETTER
(after Rihaku)

While my hair was still cut straight across my forehead
I played about the front gate, pulling flowers.
You came by on bamboo stilts, playing horse,
You walked about my seat, playing with blue plums.
And we went on living in the village of Chokan:
Two small people, without dislike or suspicion.

At fourteen I married My Lord you.
I never laughed, being bashful.
Lowering my head, I looked at the wall.
Called to, a thousand times, I never looked back.

At fifteen I stopped scowling,
I desired my dust to be mingled with yours
For ever and for ever and for ever.
Why should I climb the look out?

At sixteen you departed,
You went into far Ku-to-yen, by the river of swirling eddies,
And you have been gone five months.
The monkeys make sorrowful noise overhead.

You dragged your feet when you went out.
By the gate now, the moss is grown, the different mosses,
Too deep to clear them away!

The leaves fall early this autumn, in wind.
The paired butterflies are already yellow with August
Over the grass in the West garden;
They hurt me. I grow older.
If you are coming down through the narrows of the river Kiang,
Please let me know beforehand,
And I will come out to meet you
As far as Cho-fu-Sa.



§



A ESPOSA DO MERCADOR DO RIO: UMA CARTA
(a partir de Li Po)

Quando era ainda curto meu cabelo sobre a fronte
Brincava junto ao portão da frente arrancando flores.
Você veio em andas de bambu, brincando aos cavalos,
Caminhando até onde eu estava, brincando com ameixas azuis.
E assim fomos vivendo na aldeia de Chokan:
Duas pequenas pessoas, sem antipatia ou suspeita.

Aos catorze, Meu Senhor, casei consigo.
Jamais me ria, de tão tímida.
Baixando a cabeça, olhava a parede.
Por mil vezes chamada nunca olhei para trás.

Aos quinze deixei de fazer carranca,
Desejei que meu pó se misturasse com o seu
Para sempre, oh, para sempre, oh, para sempre.
Porque haveria eu de subir à vigia?

Aos dezasseis você partiu,
Até à longínqua Ku-to-yen, pelo rio de redemoinhos espirais,
E já está fora há cinco meses.
Os macacos fazem um ruído dorido lá em cima.

Arrastou seus pés quando saiu.
Agora, junto ao portão, o musgo cresceu, os diferentes musgos,
Demasiado fundo para os arrancar!
As folhas caem cedo com o vento, este Outono.
As borboletas, aos pares, já estão amarelas com Agosto
Sobre a relva no jardim de oeste;
Elas ferem-me. Envelheço.
Se planeia descer pelos estreitos do rio Kiang,
Por favor deixe-me saber de antemão,
E eu sairei a encontrá-lo
Tão longe quanto Cho-fu-Sa.



4 comentários:

I disse...

posso linkar este blog no meu asas?

João Luís Barreto Guimarães disse...

Claro que sim...

I disse...

muito obrigada

QZ disse...

"Cantos" é, discutivelmente, a única obra poética moderna capaz de se comparar com a "Comédia" de Dante. Só lhe falta o Céu. E tal falta não deixa de ser um sinal do período histórico actual.
E, ao fim de tão longa espera, chegou a Portugal...