domingo, maio 13, 2012

CHARLES SIMIC (4)

(este post é para Luís Filipe Parrado)


O último livro de CHARLES SIMIC (Belgrado, 1938), poeta que foi assunto para três anteriores posts no Poesia Ilimitada, intitula-se “Master of Disguises” (Houghton Mifflin Harcourt, Boston, 2010). Uma vez mais, no seu estilo sintético, condensado, eliptico, o norte-americano desafia a nossa percepção da realidade ao aludir ao melífluo e ao ominoso que existe num quotidiano aparentemente inocente. Eis, com a devida vénia, quatro poemas do seu último livro, onde é particularmente evidente a força das suas imagens enigmáticas e paradoxais, súbitas e inconclusivas.



BLIND MAN FEEDING PIGEONS

Where did he get all these crumbs?
He tosses right and left
As the birds flock to him,
One alighting on his shoulder.

A few days later I had my answer
In a bakery where he turned up
To collect stale rolls,
Thanking one and all.

Then last night I thought of him
Sitting on a narrow bed
Breaking bread with his hands,
Unless, of course, he was dead.



CEGO ALIMENTANDO POMBOS

Onde arranjou ele essas migalhas?
Lança-as à esquerda e à direita
Enquanto os pássaros rumam a ele,
Um deles pousando em seu ombro.

Alguns dias depois tive a resposta
Numa padaria onde apareceu
Para recolher cacetes antigos,
Agradecendo a toda a gente.

Ainda ontem à noite pensei nele
Sentado numa cama estreita
Partindo pão com suas mãos
A não ser, claro, que estivesse morto.


§


THE ABSENT ONE

Someone’s late coming home.
The lamp left for him in the window
Burns as the day breaks,
and will burn for months after.

Our small street is dark at night.
The birdcages are covered early.
The goldfish barely stir in their jars.
Even the porch lights are off,

Leaving only his window lit
For moths to pay their respects
Until the weather turns cold
And the roofs are white with snow.



O AUSENTE

Alguém se atrasou a voltar para casa.
A lâmpada deixada acesa na janela
Arde enquanto o dia irrompe,
e vai arder durante meses.

À noite, a nossa pequena rua é escura.
As gaiolas cedo são cobertas.
Os peixes mal se mexem em seus jarros.
Mesmo as luzes da varanda são desligadas

Deixando apenas aquela janela acesa
Para as mariposas prestarem homenagem
Até que o tempo fique frio
E os telhados, brancos de neve.



§



DRIVING HOME

Minister of our coming doom, preaching
On the car radio, how right
Your hell and damnation sound to me
As I travel these small, bleak roads
Thinking of the mailman's son
The Army sent back in a sealed coffin.

His house is around the next turn.
A forlorn mutt sits in the yard
Waiting for someone to come home.
I can see the TV is on in the living room,
Canned laughter in the empty house
Like the sound of beer cans tied to a hearse.


CONDUZINDO PARA CASA

Ministro da nossa desgraça, pregando
Pela rádio no carro, quão certo o
Teu inferno e condenação soam para mim
Enquanto viajo por estas pequenas estradas sombrias
Pensando no filho do carteiro que
O Exército mandou de volta num caixão lacrado.

A sua casa é ao virar da próxima curva.
Um vira-latas abandonado está sentado no quintal
À espera que alguém torne a casa.
Consigo ver o televisor ligado na sala de estar,
Risos enlatados na casa vazia
Como o som de latas de cerveja atadas a um carro funerário.


§


THE TREE NO ONE VISITS

So I did. I climbed one afternoon
Up that steep, rocky hill,
Stopping to rest and admire a wildflower
And the view of the lake
In the valley down below.

I would have liked a goat for company.
A black-and-white one with a bell
To go ahead, graze awhile and break
The quiet as he resumes his ascent
To where a tree stands dark and silent

Waiting all these years for someone
To sit in its shade at ease with himself.
Even the wind that’s always thinking up
Little games for its leaves to play.
In no hurry now to disturb the peace.



A ÁRVORE QUE NINGUÉM VISITA

Então eu fui. Uma tarde subi
Aquela colina íngreme e rochosa,
Parando para descansar e admirar uma flor silvestre
E a vista do lago
No vale lá em baixo.

Teria gostado de uma cabra por companhia.
Uma preta e branca, com um sino
Para ir à frente, pastar um pouco e romper
O silêncio quando este retoma sua ascensão
Até onde uma árvore escura e silenciosa está

Esperando todos estes anos que alguém
Se sente à sua sombra, em calma consigo mesmo.
Até o vento está sempre a inventar
Joguinhos para as suas folhas brincarem,
Sem pressa agora de perturbar a paz.



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