quinta-feira, novembro 24, 2022

MARCO MACKAAIJ

 


PEQUENO-ALMOÇO COM BILLY

Marco Mackaaij

On y va, Agosto 2022

72 páginas

 

É um dos livros surpreendentes do trimestre. Marco Mackaaij (Amstelveen, 1970) nasceu nos Países-Baixos e vive em Portugal desde 1995. Lecciona Matemática na Universidade do Algarve, e escreve em português: publicou dois livros de poemas – E se não for (2015) e Em Segunda Língua (2018) – e uma plaqueta, Perdidos e Achados (2017), e regressa agora à edição com Pequeno-almoço com Billy

A mais valia desta poética não está exactamente na procura de uma dicção singular com uma “taxa de lirismo” acentuado, que embale o leitor com a beleza dos vocábulos mas no carácter lógico dos poemas cuja chave de compreensão reside muitas vezes em conhecimentos de Matemática, Astrofísica, Filosofia, Sociologia, História, mais do que numa qualquer banal vivência da realidade, algo a que o leitor português de poesia, tendo sido muito marcado pela pauta do simbolismo francês, não está de todo habituado. Mas que é comum nas poéticas que evoluíram do imagismo anglo-saxónico ou noutras poéticas centro-europeias ou de Leste (lembremo-nos de Hans Magnus Enzensberger, Remco Camper ou Mirolslav Holub, entre tantos), nas quais a conexão com o leitor se faz mais pela inteligência, pelo raciocínio e pela ironia das imagens, do que pelo choque sonoro de signos. 

E não traí a sua origem, a voz que aqui fala. Desde logo porque esta é uma poesia que não se queixa, não se lamenta, não cultiva a melancolia, antes é positiva (“há que aproveitar o que há”), mostrando uma evidente preocupação em contar uma história como queria Frank O’Hara, gerindo silêncios e suspense em pequenos textos cuja geografia, nas três partes que compõem o livro são a de um holandês em Portugal, a de um europeu no Mundo, e por fim, a de um “português” que se quer europeu. 

Para tanto, Marco Mackaaij constrói a macro-realidade fixando com atenção o detalhe, observando agudamente o que o rodeia, por exemplo, criticando a construção imobiliária desenfreada (cf. Os Salgados) ou a hipervigilância das redes sociais (cf. LinkedIn), tendo sempre em mente os versos de Northrop Frye (“The center of reality is whereever / one happens to be, / and its circunference is whatever / one’s imagination can make sense of.“), seja para os mais altos desígnios daquilo a que chamamos vida, seja para escrever poemas sobre temas tão prosaicos quanto gastronomia, neste ou naquele poema trazendo à memória do leitor, o extraordinário livro de Egito Gonçalves, E no entanto move-se

Marco Mackaaij transcende assim a mera realidade, ao procurar sentidos ocultos (que acredita que existem) nas geografias (e nos acontecimentos) nas quais, e com os quais, se vai deparando, sendo este portanto um livro de poemas que pressupõe a existência de leitores (com quem o autor dialoga) e que se apercebem, por sua vez da existência de um poeta-actor, de uma biografia activa, de factos vividos pelo poeta que não fogem, por exemplo, à menção de nomes comerciais contemporâneos (Ryanair, Panini, iPhone, Booking.com, LinkedIn, Uber, SEF, Brexit, Google, SNS) na justa medida em que essas marcas e siglas existem, e que por isso, não há absolutamente razão nenhuma para que não sejam incluídas da poesia contemporânea portuguesa, aqui e agora, no exacto sentido em que são úteis ao poeta, ao exercício de uma narração elíptica que deixa sempre o pormenor essencial da compreensão do poema para que o complete o leitor,  socorrendo-se da sua experiência e imaginação, para desvendar o mesmo. 

De passagem por diversas cidades estrangeiras, por exemplo, na segunda parte do livro, o poeta tenta ler nos acontecimentos, nos cenários e na cultura dos lugares, uma verdade essencial, um pormenor especifico, não como mero turista que estivesse de visita, antes emprestando-lhe o seu pensamento, como quem se recusa a viver os sítios sem os pensar. O que fica destes textos é a inteligência com que foram construídos. Esse estrato de leitura.

 

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