domingo, abril 28, 2013

JORGE LUIS BORGES

JORGE LUIS BORGES
(Buenos Aires, 1899 - Genebra, 1986)



O SUL

De um dos teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
e do banco da sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o cheiro do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro a dormir,
o arco do saguão, a humidade
- essas coisas talvez sejam o poema.


§


INSCRIÇÃO SEPULCRAL

Para o meu bisavô, coronel Isidoro Suárez

Explodiu a valentia sobre os Andes.
Arrostou montanhas e exércitos.
A audácia foi o hábito da sua espada.
Impôs na planície de Junín
um final venturoso à batalha
e às lanças do Peru deu sangue espanhol.
Escreveu a sua lista de façanhas
em prosa hirta como os clarins belíssonos.
Escolheu o honroso desterro.
Agora é um pouco de cinza e de glória.


§


A ROSA

A rosa,
a imarscescível rosa que não canto,
a que é peso e fragrância,
a do negro jardim na alta noite,
a de qualquer jardim e qualquer tarde,
a rosa que ressurge da mais ténue
cinza pela arte da alquimia,
a rosa de Ariosto ou a dos Persas,
a que está sempre só,
aquela que é sempre a rosa das rosas,
a jovem flor platónica,
a ardente e cega rosa que não canto,
a rosa inatingível.


§


BAIRRO RECONQUISTADO

Ninguém viu a beleza das ruas
até que, pavoroso, num clamor,
se precipitou o céu esverdeado
num abatimento de água e de sombra.
A tempestade foi unânime
e malquisto aos olhares foi o mundo,
mas quando um arco abençoou
a tarde com as cores do seu perdão
e um cheiro a terra molhada
animou os jardins,
pusemo-nos a andar por entre as ruas
como por uma herdade recuperada,
e nos cristais houve generosidades de sol
e nas folhas luzentes
disse a sua trémula imortalidade o verão.


§


FIM DE ANO


Nem o pormenor simbólico
de substituir um dois por um três
nem essa vã metáfora
que convoca um lapso que morre e outro que surge,
nem o cumprimento de um processo astronómico
atordoam ou minam
o planalto desta noite
e obrigam-nos a esperar
as doze irreparáveis badaladas.
A causa verdadeira
é a suspeita geral e confusa
do enigma do Tempo;
é o assombro em face do milagre
de que apesar de todos os acasos,
de que apesar de sermos
as gotas do rio de Heraclito,
perdure em nós alguma coisa:
imóvel,
alguma coisa que não encontrou o que procurava.


§


A NOITE DE SÃO JOÃO

O poente implacável em esplendores
rompeu a fio de espada as distâncias.
A noite está suave como um salgueiral.
Vermelhos crepitam
os remoinhos das bruscas fogueiras;
lenha sacrificada
perdendo o sangue em altas labaredas,
bandeira viva e cega brincadeira.
A sombra é amena como uma lonjura;
hoje as ruas recordam
que um dia foram campo.
E toda a santa noite a solidão rezando
o seu terço de estrelas espalhadas.


in

Obra Poética Volume 1, editado pela Quetzal , inclui os livros "O Fervor de Buenos Aires", "Lua Defronte" e "Caderno de San Martín", traduzidos por Fernando Pinto do Amaral.


Sem comentários: