GEORGE STEINER
A Poesia do Pensamento
Lisboa, Relógio D'Água, 2012
por JOÃO PAULO SOUSA
Devo começar prestando justiça a George Steiner por ter sabido reconhecer, no último e breve capítulo deste ensaio, os limites da sua realização, ainda que tal gesto seja parte integrante da estratégia retórica que determinou a escrita de A Poesia do Pensamento. Em sintonia com a sua conhecida ideologia de valorização do que designamos como as humanidades clássicas, Steiner é um fervoroso – mas desencantado – defensor do livro como modelo de transmissão da sabedoria e meio de acesso a um contacto supostamente mais profundo com o mundo. Não admira, portanto, que contemple a era tecnológica que nos coube como o tempo de uma queda irreparável. Uma tal perspectiva da época conduz facilmente à construção de obras elegíacas ou amarguradas, o que, como é óbvio, está longe de lhes retirar importância ou qualidade (se me é permitido usar uma expressão tão equívoca como esta). Com efeito, não podemos deixar de constatar uma forte dimensão elegíaca num ensaio que afirma categoricamente a sua «concepção da linguagem como núcleo que define a existência – como doação, em última instância teológica, da humanidade ao homem» –, para considerar logo depois que ela «se encontra hoje em refluxo» (p. 220). Assim, Steiner não tem dúvidas em sustentar que «este pequeno livro, bem como o interesse e atenção que espera dos seus leitores – estatisticamente uma pequena minoria –, são já minoritários», pois dão-se mal «com a redução dos textos literários nos ecrãs ou com a anti-retórica do blogue» (p. 220). Se não é certo que o facto de este texto estar a ser lido num blogue chega para desmentir Steiner, mais exacto me parece que algumas das suas afirmações – como a de que a sobrevivência do seu livro dependeria da sua acessibilidade online – se exibem como provocações ansiosas de serem desmentidas.
A linguagem é, então, o cerne do ensaio que culmina do modo atrás referido. O propósito do autor de After Babel (1975) é o de revelar os nexos indestrutíveis entre a poesia e o pensamento, partindo do princípio de que ambas as actividades humanas se produzem no interior da linguagem e dela não podem, portanto, prescindir. Este ponto, que correria o risco de parecer demasiado óbvio e pouco consentâneo com a elaboração de uma obra com a ambição de A Poesia do Pensamento, é desenvolvido por Steiner ao longo de um percurso histórico iniciado na Grécia clássica e que culmina no século XX, com a paradoxal e insuficientemente esclarecida relação entre um filósofo de simpatias nazis e um poeta judeu. Os dias partilhados por Heidegger e Celan em 1967 são, para o ensaísta, uma espécie de buraco negro, que se configura também como a tradução da impossibilidade de analisar ou conhecer com profundidade as ligações que se estabelecem entre a construção da linguagem poética e a da filosófica. Talvez por isso, a sensação que persiste depois da leitura do ensaio é a de uma abdicação: Steiner parece ter abdicado de argumentar e preferiu exemplificar. Ao longo das mais de 200 páginas deste volume, são percorridos nomes como os de Homero e Aristóteles, Platão e Lucrécio, Hegel e Hölderlin, Bergson e Valéry, Wittgenstein e Thomas Bernhard, entre tantos outros, para, através do destaque conferido a aspectos mais ou menos nucleares das respectivas obras, se esboçar uma tentativa de evidenciar pontes decisivas entre as duas linguagens já mencionadas. A conclusão, no entanto, parece emergir mais da acumulação dos nomes e das referências do que de um princípio de conexão que se estenda para lá das ligações naturais que devem existir entre o que é trabalhado a partir do mesmo material. Dir-se-ia que o ensaísta, absorvido pelo encantamento que as humanidades clássicas lhe provocam, não repara nessa ausência; para ele, talvez não seja necessário demonstrar a grandeza dos autores apontados, pois esse é o valor que lhe serve de medida para se decidir pela visão desoladora sobre o nosso tempo.
Embora a sua reconhecida erudição pareça, em alguns momentos, constituir-se como um paradoxal obstáculo a uma análise desapaixonada – faltando saber, é certo, se tal será possível – da época que nos coube, Steiner não deixa, ainda assim, de invocar um autor contemporâneo, Durs Grünbein, como um admirável exemplo dessa combinação longamente testada ao longo do livro, dedicando-lhe o ensaio e considerando-o «um poeta penetrantemente desperto e atento à filosofia» (p. 88). E é bem verdade que o volume Aos Queridos Mortos (Den Teuren Toten, 1994), deste autor alemão, publicado pela Angelus Novus em 2003, bem poderia constituir-se, pela capacidade de «fixar através da letra o fluxo intempestivo e não-memorável da contemporaneidade» (segundo as palavras do tradutor Fernando Matos Oliveira no posfácio), como uma possibilidade de resposta à visão catastrofista de Steiner.
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