segunda-feira, julho 09, 2012

WISŁAWA SZYMBORSKA (4)

(este post é para Lúcia Pinho e Melo)
O Poesia Ilimitada nunca escondeu a imensa admiração que nutre pela obra da poetisa polaca Wisława Szymborska (2 de Julho de 1923 - 1 de Fevereiro de 2012), recentemente falecida. Nascida em Prowent, Szymborska já vivia em Cracóvia quando recebeu o Prémio Nobel da Literatura de 1996, segundo a Academia Sueca «por uma poesia que com precisão irónica permite que os contextos histórico e biológico reluzam em fragmentos de realidade humana».

Este extraordinário post dá inicio à colaboração de Teresa Swiatkiewicz no Poesia Ilimitada como correspondente de poesia polaca, através da tradução a partir do original, de uma amostra de dois poemas de cada um dos últimos três livros da poetisa polaca, ainda inéditos em Portugal: "Dois Pontos" (2005), "Aqui" (2009) e "Basta" (2012). Seis poemas, portanto, de Szymborska, na tradução de Teresa Swiatkiewicz. Muito obrigado, Teresa.



ESTÁTUA GREGA

Apesar da ajuda das pessoas e de outras forças da natureza,
mesmo assim, o tempo teve muito que fazer.
Primeiro privou-a do nariz, depois dos órgãos genitais,
um a um, dos dedos das mãos e dos pés,
com o decurso dos anos, dos braços, um após outro,
da coxa direita e da coxa esquerda,
das costas e das ancas, da cabeça e das nádegas,
e o que caiu por terra, desfez em pedaços,
cacos, cascalho, areia.

Quando algum dos vivos morre desta maneira,
a cada golpada, muito sangue escorre.

As estátuas de mármore, porém, perecem brancas
e nem sempre até ao fim.

Da estátua, de que aqui se fala, resta o tronco
que, em esforço, parece suster a respiração,
pois agora tem
de atrair
a si
toda a graça e peso
do resto que se perdeu.

E consegue-o,
ainda o consegue,
finge e deslumbra,
deslumbra e perdura –
E, aqui, também o Tempo merece um elogio:
deixou para amanhã
o que podia fazer hoje.


§



ABC

Jamais saberei
o que A. pensava de mim.
Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.



§



ADOLESCENTE

Eu – adolescente?
Se, de repente, aparecesse aqui, agora, diante de mim,
saudá-la-ia como pessoa que me é próxima,
embora seja, para mim, estranha e distante?

Verter uma lágrima, beijar-lhe a testa
pela simples razão de termos
a mesma data de nascimento?

Tão poucas semelhanças entre nós,
quiçá, apenas os ossos são os mesmos,
a caixa craniana, as órbitas.

Já que os olhos dela parecem maiores,
as pestanas mais compridas, ela mais alta
e todo o seu corpo revestido
com uma pele lisa, sem mácula.

Na verdade, ligam-nos parentes e conhecidos,
no mundo dela, porém, quase todos estão vivos,
enquanto no meu já não há quase ninguém
deste círculo que tínhamos comum.

Somos tão diferentes uma da outra,
pensamos e falamos sobre coisas tão diferentes.
Ela pouco sabe –
mas com uma teimosia digna de melhores causas.
Eu sei muito mais –
mas sem nada saber ao certo.

Mostra-me uns poemas,
escritos com letra clara e cuidada,
como já há muito eu não escrevo.

Leio esses poemas e leio.
Bem, talvez este daqui,
se o reduzirmos
e corrigirmos aqui e ali.
O resto nada de bom augura.

A conversa está difícil.
No seu pobre relógio,
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, já é muito mais caro e preciso.

Na despedida nada, um breve sorriso
e nenhuma comoção.

Somente quando se afasta
e, apressada, se esquece do cachecol.

Um cachecol de pura lã,
às riscas coloridas
feito em croché para ela
pela nossa mãe.

Ainda hoje o tenho.



§



VERMEER

Enquanto aquela mulher do Rijksmuseum,
em quietude pintada e concentração,
dia após dia, não verter o leite
do jarro para a vasilha,
o Mundo não merece
o fim do mundo.



§



NO AEROPORTO

Correm um para o outro de braços abertos,
exclamam ridentes: Até que enfim! Enfim!
Ambos vestidos com agasalhos de inverno,
gorros de lã,
cachecóis,
luvas,
botas,
mas só para nós.
Porque um para o outro estão nus.


Tradução de Ana Kalewska, Beata Cieszyńska e Teresa Swiatkiewicz



§



A MÃO

Vinte e sete ossos,
trinta e cinco músculos,
cerca de duas mil células nervosas
em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
para escrever Mein Kampf
ou A Casinha do Ursinho Puff.

4 comentários:

João Ricardo Lopes disse...

Muito obrigado pela partilha destes poemas, João Luís!

Conheci a poesia de Wisława Szymborska na antologia da Cavalo de Ferro em 2004 e desde então fiquei seu seguidor incondicional. Grande poeta... Para mei grande pesar não consigo apanhar em lado nenhum a antologia da Relógio d' Água!

Estes poemas são um convite a mais!

Abraço amigo!

João Luís Barreto Guimarães disse...

João Ricardo, a antologia "Paisagem com Grão de Areia" (Relógio d'Água) esteve disponivel na Feira do Livro do Porto. Pode portanto ser encomendada...
Abç.

slow disse...

Obrigada por estes poemas!
Já conhecia um pouco, é maravilhosa... ri-me ao ler o ABC, fiquei sem ar ao ler o Aeroporto e A Mão e quase chorei com a Adolescente... que mais se pode pedir a um poeta?

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Pedia autorizacao de levar alguns poemas de W. Szymborska para um dos meus blogues, neste caso o Cores & Palavras, fazendo referencia, claro, ao blogue de onde retirei os poemas.

Obrigado

Namibiano Ferreira