domingo, dezembro 18, 2011

UMBERTO SABA

«VOZES» DA POESIA ITALIANA

por Andrea Ragusa

Vamos propor uma breve ‘releitura’ de alguns poemas italianos traduzidos para português por David Mourão-Ferreira ao longo da sua vida e publicados num número especial, a ele dedicado, da revista Colóquio/Letras em 2003. O volume, entitulado «Vozes da poesia europeia – de Charles Baudelaire a Tomás Segovia», é composto por várias secções, sendo a parte relativa à poesia italiana, depois da francesa (tendo ainda traduções das poesias russa, castelhana, alemã e inglesa), a mais rica, demonstrando, uma vez mais, o interesse e o amor que Mourão-Ferreira tinha para com Itália e para com as «vozes» da sua literatura. Iremos assim homenagear David Mourão-Ferreira, relembrando algumas das belíssimas traduções de David incluídas no volume da Colóquio/Letras que compreendem obras diversas: de Gabriele D’Annunzio a Umberto Saba, de Eugenio Montale a Sandro Penna, de Cesare Pavese a Giorgio Caproni. Decidímos dedicar o primeiro desses posts a Umberto Saba, de quem Mourão-Ferreira traduziu magistralmente: «O poeta» (Il poeta, 1912), «Despedida» (Commiato, 1920), «Folha» (Foglia, 1946) e os longos poemas «À minha mulher» (A mia moglie, 1911) e «Arrabalde» (Il borgo, 1926). Por razões de direitos de autor, relembraremos apenas alguns desses poemas.


UMBERTO SABA (Trieste 1883 - Gorizia 1957), pseudónimo de Umberto Poli, é um escritor difícil de colocar dentro das tendências da literatura italiana do século XX. A sua figura intelectual de forma alguma se pode encaixar na parábola das vanguardas e nem sequer na da poesia «pura» e absoluta: apesar disto, grandes personagens como Debenedetti e Montale, cedo reconheceram o valor da obra daquele poeta. Por volta de 1910, Saba foi vendedor de material eléctrico, depois funcionário público durante a Primeira Guerra Mundial e, por fim, livreiro alfarrabista antes do segundo conflito, até que as leis raciais o obrigaram – sendo judeu – à fuga, inicialmente para Florença e depois para Roma. A sua experiência literária (entre poesia e prosa) foi fortemente caracterizada pela sobreposição de linguagem literária e linguagem comum, pela ligação constante ao que é considerado tradição ou até convenção (que implica, de facto, a recusa de qualquer ligação entre poesia e «modernidade»), pela espontaneidade e simplicidade que deixam entrever o seu «mal subterrâneo»: a nevrose que o acompanhou ao longo da vida. A obra poética de Saba (de «Trieste e una donna» até «Epigrafe») foi por ele reunida no «Canzoniere», título que ecoa Petrarca mas sobretudo Heine, sendo clara a intenção de criar uma obra única, dinâmica, um «poema contínuo» que irá ser testemunho da sua vida e da sua actividade literária. Eis, com a devida vénia, três poemas de Saba, numa tradução de David Mourão-Ferreira.


O POETA

O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais variados!
As horas do dia e as quatro estações,
um tanto menos de sol ou mais de vento,
são o devaneio, o acompanhamento
sempre diverso para suas paixões,
sempre as mesmas; e o tempo que faz,
ao levantar-se, eis o grande acontecimento
do dia, sua alegria assim que desperta.
Nada como as luzes contrárias o alegra,
nada como os belos dias
movimentados,
e em longas histórias multidões imersas,
onde o azul e a tempestade duram pouco,
onde se alternam searas de infortúnio
e de vitória.
Com um rubro crepúsculo se entusiasma;
e com as nuvens muda de cor,
ainda que lhe não mude a alma.
O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais abençoados!

(de Trieste e una donna, 1910-1912)



§



DESPEDIDA

Vós o sabeis, amigos, e eu o sei.
Também os versos são quase bolas de sabão:
umas sobem outras não.

(de Cose leggere e vaganti, 1920)



§



FOLHA

Sou como aquela folha – olha –
naquele ramo nu, que ainda um prodígio
mantém presa.

Nega-me, pois. De tal não entristeça
a bela idade que te dá essa cor ansiosa
e em mim só se demora num ímpeto infantil.

Dize-me tu adeus, se pela minha parte o não consigo.
Morrer é nada; perder-te é que é difícil.

(de Mediterranee, 1946)




1 comentário:

Luíz Sommerville Junior disse...

Olá, poeta! Tem um presente de Natal para você no Távola de Estrelas!Desejamos a você votos dum
Natal muito Feliz e de um Ano Novo Maravilhoso!

abraços,

JouElam & Dani

Távola de Estrelas: http://jorgemanueledanieledallavecchia.blogspot.com/2011/12/um-selinho-pra-voce.html