terça-feira, dezembro 06, 2011

TOMAS TRANSTRÖMER (2)

A quatro dias de ser entregue em Estocolmo, o Prémio Nobel da Literatura de 2011, - a 16 dias deste blogue fazer 6 anos de vida (22.12.2005) e a 19 dias do Natal, - o presente é para os leitores do Poesia Ilimitada. E chega, uma vez mais, pela mão do poeta Jorge Sousa Braga, que acaba de traduzir e oferecer a este blogue, o livro "O GRANDE ENIGMA" (2004), de Tomas Tranströmer. Na integra.

Boas festas!




O ROCHEDO DAS ÁGUIAS


Por detrás do vidro do terrário
estranhamente imóveis
os répteis.

Uma mulher estende a roupa
em silêncio.
A morte está ao abrigo do vento.

Nas entranhas da terra
a minha alma desliza
silenciosa como um cometa.



§



FACHADAS


1.

No fim da estrada vejo o poder
e é como uma cebola
com rostos sobrepostos
que caem um a um…


2.

Esvaziam-se os teatros. É meia-noite.
Palavras ardem nas fachadas.
O enigma das cartas sem resposta
afunda-se na fria cintilação.



§



NOVEMBRO



Quando se aborrece, o verdugo torna-se perigoso.
Enrola-se o céu ardente.

Gotas de água a cair da torneira ouvem-se de cela em cela
E o espaço transborda da terra gelada

Algumas pedras brilham como luas cheias



§



A NEVE CAI



São cada vez mais
numerosos os funerais
como os painéis na autoestrada
ao aproximar-se uma cidade.

Milhares de pessoas
na terra das grandes sombras.
Uma ponte constrói-se
lentamente
direito ao espaço.



§



ASSINATURAS


Devo passar
pelo umbral escuro.
Uma sala.
O documento em branco resplandece.
Como as muitas sombras que se movem
todos querem assiná-lo.

Até que a luz me trespasse
e dobre o tempo.



§



HAIKUS


1.


Jardins suspensos
num mosteiro lama.
Pinturas de batalhas.


*


Muro do desespero…
Não têm rosto
as pombas que vão e vêm.


*


Pensamentos parados,
os mosaicos coloridos
no pátio do palácio.


*


Jaula de sol.
De pé na varanda
como um arco-íris.


*


Murmúrio na névoa.
Longe um barco de pesca
…um troféu nas ondas.


*


Cidades cintilantes:
Tons, lendas, cifras—
Também…



2.


Veado ao sol:
as moscas cozem
a sombra ao chão



3.


Um vento gelado
trespassa a casa esta noite—
o nome dos demónios



*


Pinheiros descarnados
no mesmo pântano —
sempre e sempre.


*


Perdido na escuridão
encontrei um enorme sombra
num par de olhos.


*


Sol de Novembro.
A minha sombra nada:
Espelho.


*


Aqueles marcos de pedra
algures no caminho. Escuta
o arrulhar duma pomba


*


A morte dobra-se sobre mim.
Problema de xadrez.
Ela tem a solução.



4.


Com a sua cara de bulldog
o rebocador contempla
o pôr do sol.


*


Numa saliência da rocha
o estalido na escarpa mostra
o sonho, um iceberg


*


Subindo a encosta
debaixo do sol as cabras
ruminavam fogo



5.


As víboras
erguem-se no asfalto
como mendigos


*


Folhas ocre no outono—
tão valiosas como
os manuscritos do Mar Morto



6.


Na estante da biblioteca
do manicómio,
intacto o livro dos sermões


*


Sai do pântano!
O siluro contorce-se de riso
quando o pinheiro bate as doze.


*


Inchado de felicidade
naqueles pântanos-
mas quem canta são as rãs.


*


Ele escreve e escreve…
Grude flutua nos canais.
No Estige, aquela barcaça.


*


Silencioso como a chuva
ao encontro do murmúrio das folhas—
Escuta o sino do Kremlin



7.


Estranho bosque
Onde Deus vive sem dinheiro—
claras muralhas


*


Sombras rastejantes…
Perdida no bosque
a tribo de cogumelos.


*


Pega negra e branca:
teimosa corre em ziguezague
a direito através dos campos


*


Olha como me sento
uma barca em terra.
Aqui sou feliz


*


Trotam as alamedas
com armadura de raios solares.
Alguém chamou?



8.


Cresce a erva –
o seu rosto é uma runa
em memória


*


Uma imagem obscura.
Pobreza dissimulada,
flores num uniforme de presidiário



9.


Chegada a hora
repousa o vento cego
contra as casas


*


Eu estive ali –
sobre a parede caiada
amontoam-se as moscas.


*


O sol queima…
Um mastro com uma vela negra
de um tempo longínquo


*


Aguenta, rouxinol!
Do abismo cresce:
estamos disfarçados.



10.


A morte escreve
sobre o mar, enquanto
a igreja respira ouro.


*


Algo aconteceu.
O luar enche o quarto.
Deus sabia-o.


*


Caiu o tecto
e a morte pode ver-me:
aquele rosto.


*


Escuta o zumbido da chuva.
Para lá entrar
sussurro um segredo.


*


Cais da estação.
Que estranha esta quietude –
é a voz de dentro



11.


Milagre –
uma velha macieira
perto do mar


*


O mar é um muro.
Oiço grasnar as gaivotas:
elas saúdam-nos.


*


Por trás vento de Deus.
O tiro chega surdo—
sonho demasiado longo


*


Silêncio cor de cinza.
Passa o gigante azul.
A brisa do mar.


*


Um vento forte e pacífico
da biblioteca do mar.
Aqui posso repousar.


*


Aves com forma humana.
Macieiras em flor.
O grande enigma.




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