domingo, novembro 06, 2011

HANS MAGNUS ENZENSBERGER

(este post é para João Barrento)
HANS MAGNUS ENZENSBERGER (Kaufbeuren, 1929) é um poeta, ensaista, tradutor e editor alemão. Faz parte da geração de intelectuais daquele país cuja formação se iniciou durante o nacional-socialismo. Hans Magnus entrou para a Juventude Hitleriana na adolescência para logo depois ter sido expulso: "Sempre fui incapaz de ser um bom camarada. Não sou de ficar na fila. Não é do meu carácter." Estudou literatura e filosofia nas Universidades de Erlangen, Freiburgo, Hamburgo, e também na Sorbonne, em Paris, onde se doutorou em 1955. Entre 1965 e 1975 foi membro do Grupo 47 e criou a revista "Kursbuch", e desde 1985 edita a série literária Die Andere Bibliothek, em Frankfurt, agora com quase 250 títulos. Enzensberger é um excelente poeta europeu ao qual as minhas parcas versões não fazem justiça. A sua poesia tem um tom sarcástico e irónico, designadamente quando escreve sobre a típica classe média europeia, nomeadamente sobre as questões económicas que afectam a sociedade civil. Em 2009, Enzensberger recebeu o Prémio Griffin de poesia. Os quatro poemas que se seguem foram traduzidos (as minhas desculpas, Professor João Barrento) do inglês, vertidos para alemão por Martin Chalmers e Esther Kinsky. Fazem parte do livro “A History of Clouds – 99 Meditations” (Seagull Books, 2010). Com a devida vénia,



SERMÃO DOMINICAL DE ASTRONOMIA

Quando a conversa se volta para as nossas desgraças –
fome, homicídios, assassinatos, etc. –
Garantido! Uma casa de loucos!
Mas, por favor, permitam-me
ressalvar, sem falsas modéstias
que apesar de tudo
é um planeta bastante favorável
este, no qual nos encontramos,

uma pérgula rosa,
comparado com Neptuno
(menos 212 graus centígrados,
velocidade do vento de mais de 600 mph
e uma pipa de metano
na atmosfera).
Só para que se saiba que noutros lugares
é muito menos confortável.



§



POR VEZES


Quando conheces alguém
mais inteligente ou mais estúpido do que tu -
não faças caso disso.
As formigas e os deuses,
acredita, sentem o mesmo.
Que exista mais gente na China,
digamos, que em San Marino,
não é uma desgraça.
A maioria das pessoas, sem dúvida, é
mais negra ou mais branca que tu.
Por vezes és um gigante,
qual Gulliver, ou um anão.
Em algum lugar ou outro estás sempre a descobrir
uma beleza ainda mais radiante,
alguém ainda pior.
És medíocre,
felizmente. Aceita-o!
Sete graus centígrados a mais
ou a menos no termómetro -
e estarias além da salvação.



§



UMA CANTIGA COR-DE-TERRA


Outro poema sobre a morte, etc. –
certamente mas e quanto à batata?
Por razões óbvias não é mencionada
por Horácio ou Homero, a batata.
E o que dizer de Rilke e Mallarmé?
Será que não lhes disse nada, a batata?
Muito poucas palavras rimam
com ela, a batata cor-de-terra?
Não é muito preocupada com o céu.
Espera pacientemente, a batata,
até que a arrastemos para a luz
e a atiremos ao fogo. A batata
não se importa, mas será possível
que seja demasiado quente para os poetas, a batata?
Bom, vamos então esperar um pouco
até que a comamos, à batata,
e a cantemos e depois a esqueçamos novamente.



§



DISCURSO DE NOIVADO APÓS O JANTAR


Este eu, um recipiente, que
desde que ninguém o abra,
parece compacto, liso
como um ovo Kinder,
quase apetitoso. Somente lá,
no interior, está escuro. Quem sabe
o que estará dentro, à tua espera.
Obsessões, sem dúvida,
hábitos enferrujados,
medos incompreensíveis,
truques em segunda mão,
desejos infantis.
Que tu a desejes ter,
a esta prenda embrulhada,
roça o milagre.



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