«VOZES» DA POESIA ITALIANA (2)
por Andrea Ragusa
Continuamos com as «vozes» da poesia italiana traduzidas por David Mourão-Ferreira, com estes «Cinco Breves Poemas» de Sandro Penna. Acrescentamos a esses poemas mais três apontamentos («Cemitério no campo», «Escola» e «Lívido alvorecer...») , por nós traduzidos, da primeira colectânea «Poesie» de 1939. Parece-me justo homenagear este poeta, mesmo no período de Natal, enquanto as nossas sociedades oferecem o melhor expectáculo de si próprias e das ficções que as percorrem eternamente. Foi, este Penna, uma pessoa que através das «armas» da poesia combateu às aparências, a vaidade das coisas transitórias, que são muitas e cada vez mais: na vida como na poesia. É essa antiga elegância que Sandro Penna nos deixou que me parece-me digna de valorizar e divulgar hoje.
SANDRO PENNA (Perugia, 1906 - Roma, 1977) foi autor de uma obra poética que poderíamos aproximar à de Umberto Saba, pelo menos no que diz respeito à distância das vanguardas e a espontaneidade lírica da expressão. A poesia de Penna desenvolve-se em redor de temas, motivos, imagens, formas constantes que exaltam o pormenor, o fragmento, em particular através do epigrama, modelo clássico por excelência e já frequentado por vários poetas ao longo da tradição literária italiana: de Machiavelli a Ariosto, passando por Leopardi, até Montale e Pasolini. A sua condição de «marginal», devido em grande parte à sua declarada homosexualidade, leva-o à exaltação da vida através da poesia, meio esse que lhe permite viver a realidade como que ‘dormindo’: «Eu quisera viver adormecido, / dentro do doce ruído da vida». Desta forma, Penna parece afirmar a sua condição de «irregular», serenamente, criando um mundo cândido, um estado de graça no qual increve a felicidade pela vida, lado a lado com a angústia pelo «ofício de viver». Por isso, nesta dimensão clássica e pagã – aliás confirmada pela linguagem, sempre alta, elegante e ao mesmo tempo «nobilmente popular» – não raramente a exaltação da vida se transforma em canto de solidão e de alienação. O seu primeiro livro, «Poesie», apareceu em 1939, seguido por «Appunti» (1950), «Una strana gioia di vivere» (1956), «Croce e delizia» (1958), «Stranezze» (1976) e o livro de prosas «Un po’ di febbre», publicado em 1973. Nos últimos anos de vida de Sandro Penna, a sua obra (tal como a sua enigmática figura) – durante muito tempo esquecida e pouco considerada – tornou-se num objecto de culto e até em verdadeiro mito, tornando-se aliás um modelo e referência para muitos escritores das novas gerações.
CINCO BREVES POEMAS
I
Talvez a juventude apenas seja isto:
sem arrependimento amar sempre os sentidos.
(de Croce e delizia, 1958)
II
Este corpo que aperto (e me aperta)
tem um sabor de estrelas e de lodo.
E eu não sei quem agora me tinge
(profundíssimo jogo) de vermelho
as estrelas.
(de Stranezze, 1976)
III
Era no cinema, onde as portas
se abrem e fecham continuamente.
Àquele rumor ela pensou
que ele voltasse
mas não voltou.
(de Stranezze, 1976)
IV
Fazer do verde prado
um jogo proibido.
Já o tenho tentado.
Sem o ter conseguido.
(de Appunti, 1950)
V
«Poeta exclusivo do amor»
me chamaram. E era talvez certo.
Mas o vento aqui sobre a erva e os rumores
da cidade longínqua
não são eles também amor?
Sob nuvens quentes
não são ainda o som
de um amor que arde
e não mais se afasta?
(de Stranezze, 1976)
Tradução de David Mourão-Ferreira
§
CEMITÉRIO NO CAMPO
Entre o júbilo dos grilos
obscuros fachos.
E em cima as estrelas.
Ao jovem coração
o calmo afluxo
das solares
gestas do dia.
Mas uma ânsia já perturba
os ridentes olhos
do menino vindo
comigo por alegria.
(de Poesie, 1927-1938)
ESCOLA
Nas manhãs azúis
as filas lestas e pretas
dos colegiais. Curvados
sobre livros depois. Bandeiras
de saudade campestre
as árvores frente às janelas.
(de Poesie, 1927-1938)
Lívido alvorecer, eu estou sem deus.
Caras de sono andam pelas ruas
sepultadas por feixes de erva gelada.
Gritam no frio oco os vendedores.
Alvoradas mais densas de cores já vi
nos mares nos campos inutilmente.
Entrego-me ao amor daqueles rostos.
(de Poesie, 1927-1938)
Tradução de Andrea Ragusa
Sem comentários:
Enviar um comentário