segunda-feira, novembro 29, 2010

WISŁAWA SZYMBOSRKA (2)


É talvez o meu poema favorito de “Chwila” (2002) de Wisława Szymborska (“Instante”, na tradução portuguesa de Elżbieta Milewska e Sérgio Neves, Relógio d’Água, 2006).



A MIÚDA QUE PUXA A TOALHA

Há mais de um ano neste mundo
e neste mundo ainda nem tudo pesquisou
nem submeteu a controlo.

Agora estão a ser testadas coisas
que não podem mexer-se sozinhas.

É preciso ajudá-las,
deslocá-las, empurrá-las,
tirá-las do sítio e transferi-las.

Nem todas o desejam, por exemplo, o armário,
a aparador, as paredes intransigentes, a mesa.

Mas já a toalha sobre a mesa obstinada,
se bem agarrada pelas pontas,
mostra-se disposta a viajar.

E sobre a toalha: os copos, os pires,
o jarro de leite, as colherinhas e a tigela
até tremem de desejo.

Interessante,
que movimento vão escolher
depois de vacilarem na beirinha:
um passeio pelo tecto?
um voo em torno do candeeiro?
um salto para o parapeito da janela e de lá até à árvore?

O Senhor Newton ainda não meteu aqui a colherada.
Que olhe lá do céu e agite os braços.

Este teste tem de ser efectuado
e será.


§


Uma vez mais, Wisława Szymborska é exímia a jogar com as expectativas do leitor, recorrendo à estratégia da ironia cósmica. Estamos perante um poema suspeitadamente escrito após o acidente doméstico descrito, narrado porém num momento cronológico prévio ao acidente, brincando a personna literária do poema com um efeito de falsa adivinhação, num crescendo de tensão e dramatismo até à catástrofe doméstica eminente. A ironia do poema também se encontra no tom quase infantil que a autora assume, fazendo do leitor cúmplice do que irá suceder - ou seja, (percebe-se) do sucedido. Já o título, de certa forma, nos preparava para o poema, aparentemente esgotando-lhe o assunto. Mas graças ao talento da autora e ao recurso a uma estratégia de personificação dos objectos ("(...) já a toalha (...)/ mostra-se disposta a viajar") , rapidamente a ironia se transforma em sarcasmo, intensificado pelos diminutivos ("Interessante,/que movimento vão escolher/depois de vacilarem na beirinha"), isto após uma minuciosa e demorada enumeração dos objectos de vidro que se encontravam em cima da toalha, passíveis de caír, somando dramatismo e acentuando o contraste entre a fragilidade dos mesmos e a catástrofe prestes a acontecer. De provocar um arrepio. Tudo isto apresentado candidamente, com um carácter como que de necessidade, em nome das superiores leis da física... e do caos infantil, quando afinal, sabemos todos, tudo poderia ter sido evitado. Extraordinários efeitos narrativos, extraordinário poema.


§


Outro poema de Wisława Szymborska no Poesia Ilimitada.


4 comentários:

José Carlos Brandão disse...

Os objetos sobre a toalha
tremem de desejo
como se fossem humanos.

Depois a expectativa: o que
resultaria de nossos atos
mais banais, mais inocentes?

Para se ver que o grande poeta
tira leite das pedras
ou poesia do que for.

Abraços.

Flávio Antunes Soares disse...

Sempre que posso, acesso o Poesia Ilimitada. É excelente o trabalho que fazem aqui. O blog está de parabéns.
Recentemente, tomei a liberdade de, em meu blog, colocar um link para o Poesia Ilimitada, mas, após algumas reflexões, creio que não foi legal da minha parte fazer isso sem autorização.
Gostaria de saber se posso manter o link em meu blog.

Mais uma vez, parabenizo o Poesia Ilimitada.

João Luís Barreto Guimarães disse...

Claro que sim, Flávio. Obrigado.

Koky disse...

Não sei se a senhora tem filhos, muito menos se terá netos. Contudo, consigo senti-la no poema, revendo-se na neta que anos idos repete a façanha da infância avoenga.

Ou então não. Se calhar apenas via televisão.