OSSOS DE ANJOS
Perto da catedral de Reims carregada de estátuas,
o palácio do bispo tornou-se um museu,
albergando muitas pedras gastas pelo uso,
pelos bombardeamentos, pelas renovações e pelo raro
e tonitroante Te Deum.
Santos e anjos enormes protegidos do tempo erguem-se
acima de nós. Os seus semblantes foram esculpidos para
mostrar uma alma - uma face da graça acima das guerras,
das pestes, do fedor das gentes em congregação -
aos crentes por eles diminuídos.
Agora, fragmentos e falhas provam que estes colossos
emprestados pelo Céu se tornaram posse do terreno mal,
que o calcário, macio ao cinzel, se quebra facilmente.
Olhai aqui! - um flanco cindido e fracturado revela
uma concha minúscula, única, intacta,
salva de desaparecidos mares pré-cristãos, escuros,
imensos. Às gentes piedosas, movendo-se em baixo,
elevando o olhar à imensidão sagrada, faltava-lhes
a ciência para deduzir, a partir desta pequena pista,
o que queria dizer a ausência poderosa.
in "Ponto Último e outros poemas", tradução de Ana Luísa Amaral, Civilização Editora, Porto, 2009
1 comentário:
é poesia.
Enviar um comentário