ENDRE KUKORELLY, poeta húngaro de que já aqui falámos brevemente, nasceu em Budapeste em 1951. A sua é uma poesia geralmente satírica onde o gosto pelo absurdo e pela irrisão anunciam uma atitude declaradamente anti-lirica. Isso mesmo nos diz Fernando Pinto do Amaral na apresentação que faz ao livro "Um Jardim de Plantas Medicinais", tradução colectiva (Mateus, Abril de 1995), editado pela Quetzal em 1997, de onde retirei o seguinte poema dedicado à memória de Thomas Bernhard:
ANDAR
Com este meu andar,
ANDAR
Com este meu andar,
ando. Assim se movem
o tornozelo e o pé.
Sei andar. Vagueio.
Ontem fui até
à esquina. Mas
estava muito frio, e voltei
para trás. Rua do Coração.
Vim para casa. Quase
fiquei gelado. Não tinha
luvas. Tentei não pensar
no frio que sentia.
Tentei pensar. Pois,
mas só me vinha à ideia
todo aquele frio
que estava, que bom seria
ter as luvas. Hoje pelo menos
vou até à Rotunda.
É o meu plano. Hoje será
o meu programa. Vou realizar
este projecto.
E assim lá vou outra vez
à esquina da rua do Coração
com a Szondy, e daí
até à Arad, virando
à esquerda para a Szinyei,
o tornozelo e o pé.
Sei andar. Vagueio.
Ontem fui até
à esquina. Mas
estava muito frio, e voltei
para trás. Rua do Coração.
Vim para casa. Quase
fiquei gelado. Não tinha
luvas. Tentei não pensar
no frio que sentia.
Tentei pensar. Pois,
mas só me vinha à ideia
todo aquele frio
que estava, que bom seria
ter as luvas. Hoje pelo menos
vou até à Rotunda.
É o meu plano. Hoje será
o meu programa. Vou realizar
este projecto.
E assim lá vou outra vez
à esquina da rua do Coração
com a Szondy, e daí
até à Arad, virando
à esquerda para a Szinyei,
e aí à direita:
a Rotunda. A minha vida
é andar assim. Ou seja,
a Rotunda. A minha vida
é andar assim. Ou seja,
esta marcha. Uma corrente. Enfim,
a vida é feita de
caminhadas e marchas.
Ou melhor, consiste nisso.
Não é um discurso tranquilo. Mas
também não é de acagaçar. Trinta e seis linhas.
Tantas palavras. Tantas letras.
a vida é feita de
caminhadas e marchas.
Ou melhor, consiste nisso.
Não é um discurso tranquilo. Mas
também não é de acagaçar. Trinta e seis linhas.
Tantas palavras. Tantas letras.
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