terça-feira, maio 15, 2007

RUY BELO (3)


MORTE AO MEIO-DIA

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer


in “Boca Bilingue” (1966)


6 comentários:

Daniel Ferreira disse...

simplesmente magnífico!

(belo blog por aqui floresce, foi todo um prazer descobri-lo.)

enricocer disse...

testo bellissimo.
Enrico

whitemask disse...

sempre vai acontecendo alguma coisa, afinal.

obrigado.

P.S.: "Tout homme bien portant peut se passer de manger pendant deux jours, - de poésie, jamais."

Baudelaire

Daniel Abrunheiro disse...

João, como é? Anda aqui muita preguiça - e não pode ser. Precisamos (somos muitos) de poesia. E que tal publicar aqui a poesia dum tal JLBG?

Alves Bento Belisário disse...

"...E ver esbater-se
O verbo na madrugada do sossego
Dos seios das virgens."

Palavra Alada disse...

um prazer! :)