domingo, janeiro 14, 2007

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA (2)

(actualizado)José Tolentino Mendonça (n.1965) reuniu no ano passado a sua poesia completa em "A Noite Abre Meus Olhos" (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006). A releitura conjunta da sua obra permite-nos recuperar uma linguagem límpida, onde a precisão do vocábulo se reveste de importância sublime. A intertextualidade dos seus poemas com os textos clássicos, designadamente com os textos sagrados - aos quais não será estranho o formato em missal desta edição, - conquanto mais ocupada em enunciar as coisas de todos os dias reveste-as, porém, de uma tonalidade sublime e bela onde uma pretensa inocência ou fragilidade encobre, ao invés, uma imensa sabedoria. Esta é agora uma poesia que não foge às circunstâncias concretas, fixando na sua ética nada autista, o “esterco do mundo”.

Numa nota pessoal, uma das minhas expectativas em relação à obra de José Tolentino Mendonça - que como alguns saberão, é padre, - foi sempre a de desvendar livro após livro de que forma a sua escrita elíptica e alusiva e atenta aos mistérios do mundo se conseguia libertar de um – supunha eu, mas que sei? – maior espartilho na abordagem profana do Amor e dos afectos, como me pareceu antever em “Calle Príncipe, 25”, ou em “A rapariga de Providence”, ou nesse outro poema de "Longe Não Sabia", Presença, 1997, sobre o onanismo "A Mão, o Muro, o Mundo"). A releitura dos poemas de “Estrada Branca” permite ao leitor atento acompanhar esse movimento, partindo de uma temática do amor próximo para o (não menos sublime) amor ao próximo, isto é, um regresso como em outros poetas da sua geração a uma poesia da dolorosa morte social, como se lê em “Clandestinos” ou neste excelente “Santa Teresa e as Prostitutas”.



SANTA TERESA E AS PROSTITUTAS (2006)


Recebi hoje uma carta do José Bento
que dizia sentir-se um rato diante de Santa Teresa
eu gosto tanto dele, posso dizer o mesmo
mas temo seja o que for
de incalculável

Diante de um rato experimento
não exactamente repulsa para a qual sou demasiado fraco
mas uma tristeza submersa
dissimulada na própria forma
lembro-me no meu quarto há muitos anos
a ratoeira armada debaixo da cama
e o deslizante rumor quase inaudível
cortado por um dique mecânico
um cheiro a folhas mortas apoderava-se da superfície
como se alguma coisa mais longínqua
ficasse presa daquele artifício

Tenho também uma história cómica com ratos
que me custou hora e meia da maior vergonha
reuni em minha casa alguns técnicos de saúde
e voluntários dessas causas
para projectar uma ajuda às prostitutas
e um rato circundou, um por um, os sapatos dos presentes
e tentava subir os degraus da escada numa necessidade
que se diria invencível
as pessoas eram educadas e fizeram todas de conta
mas eu estava para ali
afundado num desespero

Quando por vezes vejo tombar
pelos altos degraus a minha vida
procuro pensar nos dois ou três interesses que me restam
entre eles Santa Teresa e o drama das prostitutas




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