segunda-feira, setembro 25, 2006

O FIM DO VERÃO DE NOVA IORQUE (15)

(esta sequência de posts deve ser lida começando no fim da página, do último - que é o primeiro - para cima)

Setembro 25, Terça-feira, Dia 15


9 h 05 m
Completou-se mais uma semana. A vida regressou à vida. Por uma incrível coincidência veio-me hoje parar às mãos, o jornal de há quinze dias.
Na noite do dia 10 jantara em East Village, levado pelo Jorge Colombo ao restaurante habitual de Ginsberg.
A capa do jornal desse dia trazia desporto e moda:
"Hewitt wins US Open". "Fashion Spring 2002".
Cotejo-a com a do jornal de hoje, quase notícia a notícia. Os METS regressam à capa e dentro desfila Anna Sui.
A normalidade já espreita.


18 h 10
Ainda Mychael Judge, nas primeiras fotografias, transportado por quatro homens, o semblante já sem vida.
Em lado nenhum da legenda ele surge identificado. Chamam-lhe "man" ou "victim".
Morreu como Homem, desconhecido. Já havia uma história assim.


18 h 40 m
Foram recolhidos os itens do memorial de Union Square. Nascerá com certeza um museu para tudo isto.
Deixo ficar o desenho que a Francisca enviou. A bandeira americana, em cores alternativas.
Acendo uma última vela pelos queimados da unidade. Cinco deles, os mais graves, juntaram-se aos desaparecidos.
Uma vela pelos queimados. Violenta ironia.


19 h 40 m
Os homens da construção recusam-se a regressar. Preferem ficar em Downtown, debulhando por vidas. Finalmente visito esse fumo que sobe como um vulcão.
Uma úlcera na cidade. Uma úlcera sem vida.
O rendilhado em cinzas é a filigrana do medo.
E há esta coisa estranha, porque arde mas é fria. Um esqueleto fantasma, imóvel, sobre as ruínas.


23 h 15 m
Não escreverei mais estas linhas. Abandono a tinta preta pelo décimo quinto dia.
Estar aqui é muito estranho. Demasiado, diria.
Que não ergam as torres de novo, é o meu último desejo. Perguntassem-me isso agora, era tudo o que eu diria. A ausência é a melhor lembrança. É a presença, no vazio.


João Luís Barreto Guimarães, Nova Iorque, Setembro de 2001.

1 comentário:

Maria João Nóbrega Pascoal disse...

João, é impossível ficar indiferente à descrição do que viveu e viu, durante aqueles dias à 9 anos atrás.
Imagino o seu sentimento de impotência, como Médico e mais na sua especialidade, quando percebeu que os feridos que chegavam eram muito poucos para a dimensão do que tinha acontecido e por outro lado o que isso queria dizer...
Mas acredito que mesmo assim, terá encontrado maneira de ser útil e de certeza que ajudou muitos daqueles que ainda íam chegando e sobreviveram. Coisas que nunca se esquecem, naturalmente e que só engrandecem e nos fazem reequacionar as nossas prioridades.
Muito obrigada por partilhar. E gostei muito tb da entrevista à Fernanda Câncio.
Um beijo
Maria João Nóbrega Pascoal