quinta-feira, abril 06, 2006

JOSÉ MARÍA ÁLVAREZ

JOSÉ MARÍA ÁLVAREZ nasceu em Cartagena, Espanha, em 1942. A sua principal obra é "Museo de Cera", que tem conhecido sucessivas edições (1970, 1974, 1978, 1984, 1990, 1993 y 2002), dada a intenção manifestada pelo autor em criar um livro único à maneira de "Leaves Of Grass", de Walt Whitman, ou "Les Fleures du Mal", de Charles Baudelaire. "Peça de Museu", aqui reproduzido com a devida vénia, foi traduzido por Joaquim Manuel Magalhães e editado pela Relógio d'Água em "Poesia Espanhola de Agora", Volume 1.



PEÇA DE MUSEU

Voluptuosidad incomparable, inefable embriaguez,
Yo te canto

Paul Verlaine


Um escultor, um dia – Augusto Clésinger
se chamava – entregou ao mundo
essa «mulher mordida por uma áspide»
que um museu hoje conserva.
Os turistas
passam junto dela; se um deles se detém
lê a inscrição e continua
a sua visita. Ou com frequência
são grupos de miúdos, dirigidos
por um professor que lhes explica
os efeitos da terrível mordedura,
como o autor captou a dor,
a angústia, o medo.
E contudo
bastar-lhes-ia contemplar o voo desses olhos,
esse rosto, escuta os suspiros
que saem da sua boca, desse peito
pelo amor dilatado, esse flanco que se curva,
essas coxas que cerra
o gozo,
para entenderem
que não é a Morte que toma
essa mulher, mas o prazer,
o êxtase, o absoluto
aniquilamento do orgasmo.
Se o bom Auguste Clésinger
se viu forçado pela censura do seu tempo
a inventar uma história trivial
que permitisse às suas fantasias
serem expostas no Salão de 47,
que subtil, sedutor, inteligente
foi, para nos legar essa beleza apaixonada:
o instante supremo
em que uma mulher entrega a sua carne
à História.

3 comentários:

Anónimo disse...

Falamos da belíssima escultura de mármore alba, do hall de entrada do Museu D'Orsay?
Esta obra de arte é de uma sensualidade perturbadora e não deixa nenhum observador indiferente. Alguns escultores franceses são exímios tradutores da sensualidade feminina. Veja-se o caso de Rodin e a forma como esculpe o corpo feminino no "Beijo" ou em tantas outras obras em que expõem o corpo da mulher como forma de lhe prestar um tributo. Também a escultura pode ser poesia.

Anónimo disse...

A poesia também pode ser escultura?
Tudo também pode ser tudo?

Nuno Gouveia disse...

Magnifico texto de J.M.A.
Só para comentar o bom gosto do Autor deste blog.
(para as mentes mais adoecidas, não nos conhecemos, não senhor)