domingo, abril 23, 2006
JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE - 2
Hoje gostava que conversassemos acerca deste poema de João Miguel Fernandes Jorge (Bombarral, 1942), retirado de “Porto Batel”, o segundo título da sua obra poética, disponível na Editorial Presença, em “Obra Poética, Volume 1”, Lisboa, 1987.
29
Depois de ter falado toda a manhã
com um estranho acerca daquela anónima
cabeça de rapaz do século dezasseis
sinto que é de matéria breve que
tenho composto todos os meus objectos
todos ordenados à vida e sem aquela
alegria que devemos encontrar
no que tentamos reduzir ao tempo.
Uma só hora daquela cabeça não
caberia em toda a manhã
porque ela é lisa como vidro
e nenhuma dissertação de arte
a poderá tornar densa e as suas ideias
essas somos nós que
as fabricamos.
Etiquetas:
- Poesia portuguesa,
JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE
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14 comentários:
Ah, tenho quase a certeza de que essa cabeça anónima de rapaz do século dezasseis é um quadro que existe no museu das janelas verdes. Essa cabeça já me encheu muitas horas ... e parece que a outras pessoas também.
um motivo poético incontestável.
do desnecessário que é acrescentar algo àquilo que está completo...
Boa, lup51...
Ainda assim...
«uma vez li um poeta que dava vida aos castelos
ensinou-me: pequenos cheiros à margem dos
sentidos não te prendas à noite (a visão mais
perfeita do mar é tomada do cimo das falésias).»
O poeta perdeu a manhã a dissertar sobre a arte para concluir que nenhuma teoria a consegue explicar na sua transparência e simplicidade.
Há pessoas que perdem toda uma vida a fazer o mesmo.
Interessante a relação do estranho interlocutor e da cabeça anónima.
perder toda uma vida distraído a pensar na vida... talvez não. mas por vezes contemplá-la conscientemente, é precioso.
Estas linhas são atrozmente nihilistas. Aliás, anda tudo a ficar assim: liso, oco. Talvez seja a minha crise dos 35. E cito:
Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
Li os comentários, a reacção emocionada de formol, e fiquei a pensar como alguém no duro realismo ainda encontra motivos poéticos (líricos) com uma densidade que fazem esquecer por momentos os tempos algo duvidosos que todos habitamos. Estamos em tempo de demasiada informação, e isso é razão bastante para não haver razão nenhuma, como diria Alberto Caeiro.
Pessoalmente, acho que falta alguma riqueza lexical neste poema de Fernandes Jorge (não conheço os outros) que atrapalha o desenvolvimento de uma boa ideia.
Note-se a diferença e a exuberância que outros procuram com pouco pretexto: o pormenor em que mesmo alguma poesia desencantada se tem detido, como é o exemplo de Anne Carson, que descobri neste blogue. Segundo percebo, Carson estará entre as inovadoras escolhas de JLBG e portanto sinto-me no dever de enriquecer o debate, copiando um link do notável Devagar). Créditos para _slow_.
Escutai
Não leio nihilismo no poema, antes pelo contrário. Parece uma afirmação de vitalismo, que evoca um corpo duplamente ausente, "cabeça lisa como o vidro" que "nenhuma dissertação de arte" poderá ANIMAR, no sentido de "anima", sopro vital ou revelar.
Claro que há uma confrontação e algum sesencanto, com os limites da Arte e da escrita, enquanto reprersentações e o vocábulo "vidro" também não está ali por acaso, assim como a manhã perdida. Mas aí é que se exerce a "soberania" de cada leitor, descobrindo consigo próprio o "não por acaso".
Corrijo:
"desencanto"
Não era nihilista que eu queria dizer. Não vou explicar aqui, mas este poema liga-se a coisas de valor (de métier) pelas quais estou a passar agora e sobre as quais ando demasiado sensível. Peço desculpa pelo meu comentário. Foi despropositado ou, pior, injusto.
Seja como for, tenho 35 anos. Estou no meio do caminho, segundo Dante. Escrevo este comentário no campo, e uma formiga trepa pelo teclado e avança sobre o Caps Lock. Dava um poema...
Desde Dante para cá, a esperança méédia de vida subiu muito.Se calhar era isso, que realista, como sempre, queria dizer a formiga.
Queria apenas deixar uma sugestão.
leia-se de novo o mesmo poema sem as desnecessárias quebras entre estrofes, que estou convencido não existirem no texto óriginal do poeta.
É que o poema declara tudo de um sopro.
Este poema só atinge a verdadeira beleza ( que a tem ), se dito na simplicidade da frase ( que é ).
abraço.
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