quinta-feira, março 09, 2006

LUÍS QUINTAIS (2)



A PROEMINÊNCIA DA MÃO DIREITA

É a mão direita que domina.
A esquerda obedece
cegamente.
É a mão direita que fere.
A esquerda consola.
É a mão direita que disciplina,
brutaliza.
A esquerda, é o exercício
próximo e doméstico
de afagar
o que a comove, o que
recatadamente a silencia.

Esta é a terra,
os modos de nela me orientar:
as minhas mãos, a proeminência
da direita sobre a esquerda,
o que toda a vida quis negar.



Hoje é a vossa vez. Comentários? Leituras?

13 comentários:

Robert FitzRoy disse...

Luís Quintais é claramente um homem de esquerda... ;-) Agora mais a sério: é possível o João traduzir alguma coisa aqui no blog da canadiana Anne Carson? Recentemente li dois livros dela (Plainwater e Autobiogrphy of Red) que me fascinaram. Um abraço

Anónimo disse...

É curiosa esta inversão da ideia comum da mão esquerda ser a 'sinistra', ou a da 'direita' abençoada dos hebreus versus a esquerda amaldiçoada. De qualquer modo, conheço uma pessoa que é dextra e aprendeu a escrever com a esquerda porque a dificuldade origina que o ritmo sendo mais lento faz com que cheguem palavras diferentes. No caso desta pessoa ela diz que as palavras da mão esquerda chegam sem tabus e que expressam coisas que nunca conseguiria expressar com a direita.

Anónimo disse...

Acrescentando às opiniões anteriores, também se podia aludir à relação das mãos com os 2 hemisférios, em que o esquerdo é o emocional e o direito o prático. Mas creio que o poema dá mais que isso.

Creio que representa a chegada (algo físico, brutal e revelador) à maturidade: digo chegada, porque a palavra "proeminência" é normalmente utilizada quando se descobre qualquer coisa. Também alude à família e o poeta constata certos mecanismos físicos sobre a "terra".

Anónimo disse...

Excelente, a síntese: a terra são as mãos. Estar na terra é a complementaridade, e muitas vezes a contradição. E muitas vezes "ganha" uma certa praxis, porque assim é da condição de agir, de desferir...

Anónimo disse...

Um poema genial porquanto proporciona leituras múltiplas.

Sendo a mais simplista a que partirá da pista mais óbvia: a dicotomia direita/esquerda. Mas mesmo assim, ainda nos poderíamos propor até que ponto a direita e a esquerda não se referem apenas a uma escolha entre como conduzir a vida, "condução à inglesa" ou "continental"... Estaria o autor perante o dilema de viver em Inglaterra ou em Portugal?...

No entanto, é um poema carregado de erotismo e de um erotismo masculino; ainda que não nos fosse dado conhecer o autor, reconheceríamos uma linguagem masculina, bélica e belicista (dominar, ferir,disciplinar,brutalizar).Porém, este "brincar masculino" das palavras sempre em contraposição ao feminino que sugerem "afagar", "consolar", "comover", "recatadamente" e até "obedecer cegamente" remetem-me para um momento em que o eu lírico desperta do auto-prazer da masturbação/prazer solitário para o prazer a dois. Terra será aqui fecundidade, o eu receou ("que toda a vida quis negar") entregar-se ao amor e ao entregar-se receia repetir o padrão que rejeita, talvez a submissão do objecto amado e a rotina em que as relações tendem sempre em cair.

Certo ou errado? Que importará? Um texto é tanto mais rico quanto mais leituras se obtiver. Gostei.

Anónimo disse...

Discordo do anónimo. Não me parece existir qualquer erotismo e se o houver seria por demais óbvio. Vou muito mais para a dualidade racional/emotivo e a consciência do autor de ter que ser mais racional no dia-a-dia por exigência das circunstâncias sociais. A emotividade tem que ficar para um plano doméstico, íntimo. Não porque não possa ser sensível, mas porque a realidade não se compadece com emoções.

Dinis Lapa disse...

Dr Jekkyl (mão esquerda) e Mr Hyde (direita). Gostei. e gostei do blog. soube da sua existência num jornal. não me lembro qual. talvez o de Letras ou o Expresso. conquistaram-me. :)

Anónimo disse...

muito bom seu blog assim com seus versos.
passa no meu.
abraço

Vasco Pontes disse...

Confesso que o estilo não me seduz, demasiado seco para o meu gosto. O tema é interessante, mas o tudo para um lado e o nada para o outro tira-lhe, na minha modestíssima apreciação, profundidade. A adesão, assim, fica mais difícil.

Anónimo disse...

De facto, hoje em dia, torna-se difícil avaliar a qualidade de um poema; aliás, muitos dos artistas e escritores actualmente, parecem ter perdido essa necessidade, porque já não existem cânones propriamente ditos. Isto tem um lado bom (entre os quais permitir a democratização das artes, e que às vezes permite resultados muito muito sofríveis), mas também tem um lado mau: que é o dificultar a progressão das artes e a evolução do pensamento. No fundo, aquilo a que se chamava sociedade e comunidade e que definia os limites da produção intelectual, já não existe. Existem grupos que é difícil de avaliar entre si e de fazer corresponder.

Por um lado, isto representa a morte da cultura como um todo.

João Miguel Almeida disse...

O poema reflecte a contradição entre a necessidade do homem se orientar em «esta terra» e o desejo que leva o homem a negar esta necessidade. O final exprime uma tensão: a mão direita terá de dominar a esquerda em «esta terra». Mas será que o mundo se reduz a «esta terra» ? Para os gregos antigos a terra era apenas um elemento do mundo também composto de ar, fogo e água. Para a tradição judaico-cristã, o céu completa a terra.

Anónimo disse...

Ó-ó. O universo é um sítio complicado, Ó se é... A verdade é tão frágil como um pássaro, ha pois é...

Anónimo disse...

É um poema pouco inventivo que se limita a coleccionar dicotomias estafadas.Uma consulta a qualquer dicionário de símbolos será mais interessante. ´Toda a gente sabe que a direita tem a ver com simbologia solar,poder,fogo, masculino, activo,calor, yang, mente racional, etc E a esquerda com Lua, submissão,frio, água, feminino,passivo, yn,emocionalidade,etc

A grande poesia existe precisamente para CONFUNDIR AS MÃOS e CRIAR REALIDADES OUTRAS para além dos carimbos gastos.
É por isso que este poema é banal.Peço desculpa, mas nada me acrescenta. E é só por aí que a poesia vale a pena.

MIF