THE VACUUM (1955)
The house is so quiet now
The vacuum cleaner sulks in the corner closet,
Its bag limp as a stopped lung, its mouth
Grinning into the floor, maybe at my
Slovenly life, my dog-dead youth.
I’ve lived this way long enough,
But when my old woman died her soul
Went into that vacuum cleaner, and I can’t bear
To see the bag swell like a belly, eating the dust
And the woollen mice, and begin to howl
Because there is old filth everywhere
She used to crawl, in the corner and under the stair.
I know now how life is cheap as dirt,
And still the hungry, angry heart
Hangs on and howls, biting at air.
§
O ASPIRADOR
A casa está tão calma agora
O aspirador amuou no armário de canto,
Seu saco aleijado como um pulmão imóvel, sua boca
Zombando para o chão, talvez da minha
Vida desmazelada, da minha irresponsabilidade.
Vivi tempo suficiente assim,
Mas quando a minha velha morreu, sua alma
Entrou dentro daquele aspirador e eu não suporto
Ver o saco inchar como um ventre, comendo pó
E camundongos, começando a uivar
Porque há imundice por todo o lado
Onde usava rastejar, nos cantos e sob a escada.
Sei agora como a vida é reles como lixo,
Ainda assim o coração ávido, irado
Resiste e brama, mordendo o céu.
Eis um excelente poema. Fala-nos do doloroso vazio que se instalou na vida do narrador após a morte da sua mulher. Alguma coisa se perde na tradução, é claro, desde logo o jogo entre “vacuum”(vácuo, vazio) e “vacuum cleaner”(aspirador), tomados no inglês pela mesma palavra. O trabalho de personificação a que o narrador procede é evidente logo desde o segundo verso. É como se o aspirador representasse a mulher - com pulmões, boca e ventre - e a sua possível fobia pelas limpezas, aqui amuando a um canto por não ser usado mas rindo da enorme desordem em que se transformou a casa do narrador. Agora que ela partiu, o narrador vive rodeado de lixo porque não consegue tocar no aspirador já que vê nele a mulher. Tratando-se de um tema tradicionalmente triste, este consegue ser também um poema deliciosamente irónico, como se o narrador quisesse dizer que de tanto apontar à esposa a sua mania pelas limpezas, ela partiu deixando-lhe o aspirador - simbolo da limpeza - a representá-la, como uma maldição. Por outro lado, o vazio (“vacuum”) em que a sua vida se transformou, também contribui para a estagnação e a imobilidade de que a sua vida padece. Por isso o narrador que começa o poema apreciando a calma que se instalou pela casa, acaba-o com o coração aos saltos, na urgência pelo regresso de ruído e movimento. Reparem como Nemerov é feliz com a imagem sonora da sístole e da diástole do coração, usando a música das palavras “hungry, angry” que tentei traduzir (insuficientemente) por “ávido, irado”. Optei pelo título “O aspirador” e não “O Vácuo” ou “O Vazio”, porque este é também um poema que realça como a placidez da morte faz com que a vida pare, de como a morte e o seu vazio provocam... dor. By the way, por altura da escrita deste poema, a mulher do poeta não havia morrido. Mais um exemplo de escrita sob a capa de uma persona literária. Fiquem bem.
The house is so quiet now
The vacuum cleaner sulks in the corner closet,
Its bag limp as a stopped lung, its mouth
Grinning into the floor, maybe at my
Slovenly life, my dog-dead youth.
I’ve lived this way long enough,
But when my old woman died her soul
Went into that vacuum cleaner, and I can’t bear
To see the bag swell like a belly, eating the dust
And the woollen mice, and begin to howl
Because there is old filth everywhere
She used to crawl, in the corner and under the stair.
I know now how life is cheap as dirt,
And still the hungry, angry heart
Hangs on and howls, biting at air.
§
O ASPIRADOR
A casa está tão calma agora
O aspirador amuou no armário de canto,
Seu saco aleijado como um pulmão imóvel, sua boca
Zombando para o chão, talvez da minha
Vida desmazelada, da minha irresponsabilidade.
Vivi tempo suficiente assim,
Mas quando a minha velha morreu, sua alma
Entrou dentro daquele aspirador e eu não suporto
Ver o saco inchar como um ventre, comendo pó
E camundongos, começando a uivar
Porque há imundice por todo o lado
Onde usava rastejar, nos cantos e sob a escada.
Sei agora como a vida é reles como lixo,
Ainda assim o coração ávido, irado
Resiste e brama, mordendo o céu.
Eis um excelente poema. Fala-nos do doloroso vazio que se instalou na vida do narrador após a morte da sua mulher. Alguma coisa se perde na tradução, é claro, desde logo o jogo entre “vacuum”(vácuo, vazio) e “vacuum cleaner”(aspirador), tomados no inglês pela mesma palavra. O trabalho de personificação a que o narrador procede é evidente logo desde o segundo verso. É como se o aspirador representasse a mulher - com pulmões, boca e ventre - e a sua possível fobia pelas limpezas, aqui amuando a um canto por não ser usado mas rindo da enorme desordem em que se transformou a casa do narrador. Agora que ela partiu, o narrador vive rodeado de lixo porque não consegue tocar no aspirador já que vê nele a mulher. Tratando-se de um tema tradicionalmente triste, este consegue ser também um poema deliciosamente irónico, como se o narrador quisesse dizer que de tanto apontar à esposa a sua mania pelas limpezas, ela partiu deixando-lhe o aspirador - simbolo da limpeza - a representá-la, como uma maldição. Por outro lado, o vazio (“vacuum”) em que a sua vida se transformou, também contribui para a estagnação e a imobilidade de que a sua vida padece. Por isso o narrador que começa o poema apreciando a calma que se instalou pela casa, acaba-o com o coração aos saltos, na urgência pelo regresso de ruído e movimento. Reparem como Nemerov é feliz com a imagem sonora da sístole e da diástole do coração, usando a música das palavras “hungry, angry” que tentei traduzir (insuficientemente) por “ávido, irado”. Optei pelo título “O aspirador” e não “O Vácuo” ou “O Vazio”, porque este é também um poema que realça como a placidez da morte faz com que a vida pare, de como a morte e o seu vazio provocam... dor. By the way, por altura da escrita deste poema, a mulher do poeta não havia morrido. Mais um exemplo de escrita sob a capa de uma persona literária. Fiquem bem.
3 comentários:
Quem concorda com "alfinete"?
A mim parece-me que o poema alude a uma relação conjugal...
Hummm, realmente a observação de alfinete tem plausabilidade, também. Creio que "my old woman" remete mais para a leitura proposta em exegese por JLBG, no sentido de "esposa"; no entanto a expressão "dog-dead youth" parece impor uma assimetria de idades entre o sujeito que fala e a "old woman" que se foi. Dúvida por dúvida, hipótese por hipótese, a verdade é que a expressão "a minha velha" usada na tradução permite driblar esta ambiguidade. Boa!
A ideia da solidão ("The house is so quiet now") e o coração ávido e ansioso parecem-me reportar mais para uma companheira do que para uma mãe, apesar de "my old woman", por paralelo a "my old man", pode sugerir a mãe. Acaba de me assaltar a ideia que o poeta talvez confunda as duas deliberadamente...
E também é possível que estejamos perante uma versão mais cruel deste poema de Browning. Duvido que um poeta anglo-saxónico não conheça o "Love in Life".
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